sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Meu tributo a Nilo Parreirinha.


 [ MEU TRIBUTO A NILO PARREIRINHA]
    Por Vitalina de Assis.

    (Nilo Parreirinha é um nome tão comum, e se meu título fosse: Meu tributo a James Taylor. Já teria dado a volta ao mundo. Não duvide disto.)






     

    Nilo Parreirinha,  morador de rua, de algumas ruas e da praça entre a rua Guarapari e Av. Portugal do bairro Santa Amélia, Belo Horizonte.  Um senhor educado, sempre disposto a uma boa conversa, vivia rodeado de cachorros e amigos também moradores de rua. Todas as manhãs eu o via desperto na praça quando caminhava em direção ao meu trabalho e fazia questão de cumprimentá-lo e à tarde, quando voltava, lá estava ele. Não pensem que ele não trabalhava, era catador, devia receber os seus trocados, mas não tinha onde morar, sua casa era a rua, seu teto, o céu. Em uma manhã muito fria, Nilo estava vestido apenas com uma larga bermuda e seu paletó preto, suas pernas finas e pequenas estavam expostas ao frio, ao vento gelado que soprava naquela manhã. Aproximei-me:

    - Que isto Nilo? Perguntei-lhe sorrindo. Tudo isto tudo é calor? Ou desafias o frio?
    Nilo olhou-me ternamente, nunca percebi uma amargura em seu olhar, e respondeu-me
    - Roubaram minhas coisas enquanto eu fui tomar banho, levaram tudo, até um pedaço de salame que comprei para quando me desse vontade de comer.

    Imagina! Ele não disse para "comer" quando eu estivesse com FOME. Moradores de rua não se sentem no direito de sentir fome? Ou acostumados a ela, sequer dão-lhes a devida importância? Tornou-se a fome tão natural quanto o ar que respiramos e que sequer, damos conta de que o mesmo, entra e sai dos pulmões contraindo e relaxando nosso diafragma? Indignou-me o roubo e logo percebi que ninguém é tão pobre, que não possua algo que alguém deseja ou queira roubar. Logo, ninguém é tão desvalido que não possa ajudar. Prometi arrumar-lhe uma muda de roupa, pediria para um amigo do trabalho e no mesmo dia, ao cair da tarde, lá estava eu com parte do prometido. Uma calça jeans cheia de detalhes, maior que seu corpo franzino, mas para isto, foi logo dando solução:

    - Vou amarrar ela com um cinto e vai ficar boa. Seus olhos brilharam.

    - Trarei uma blusa de frio, a única peça masculina que insistiu em ficar na minha casa, esquecida em um canto qualquer, disse eu. No outro dia, muito alinhado com aquela calça grande, me disse:

    - Você acredita que todo mundo tá de olho nessa calça por causa desse tanto de flexequer?

    - Sério? Cuidado dobrado então amigo. Rimos.

    Era assim Nilo Parreirinha. Não me pergunte mais nada sobre ele. Nunca questionei se tinha família, filhos, onde nasceu, porque estava assim, sozinho na rua. Nunca convidei-o para um café ou paguei-lhe um almoço. Quantas vezes meu coração pediu-me que o fizesse, quantas vezes tive que desviar meus pensamentos e afirmar: bobagem, ele não precisa de nada disto.

    Quantas vezes fechamos nossos olhos e coração? Quantas oportunidades temos de fazer o bem, e deixamos que outros, igualmente não o façam, pois como alguns de nós, esperam que este ou aquele faça, que uma Ong se encarregue, que o governo se mobilize. Gostamos de pensar que cabe aos outros, nossa responsabilidade social.

    Estranho! Mas onde foi que o Nilo se meteu? Já a alguns dias não o vejo, até os cachorros se foram. Mudou-se Parreirinha? Moradores de rua se mudam? Nilo Parreirinha mudou-se. Outro morador, amigo de Parreirinha estava sentado na mesma praça, olhando as pessoas, pensando na vida...

    - Oi senhor, tudo bem? Me diga uma coisa por favor, cadê o Nilo? Já faz alguns dias que não o vejo.

    Uma tímida lembrança veio-me a mente. Passara por ele um dia destes, estava imerso em si próprio, andava como se nada e a ninguém enxergasse. Impressionou-me vê-lo assim tão absorto, mas deixei que continuasse seu caminho, tive medo de interromper o que eu não compreendia. Temi pela resposta. Meu espírito segredou-me que naquele dia, Nilo não estava só.

    Que Nilo? O Parreirinha? Ele morreu já faz alguns dias, tava deitado ali, bem cedinho naquele banco e quando os homi da prefeitura que tão plantando a grama foram acordar ele, viram que ele tava morto. Morreu dormindo, o pobre. Coitado! Eu vi o dia que ocê deu aquela calça pra ele, ele ficou muito feliz, contou para todo mundo que tinha ganhado, morreu com ela.

    Perdoe-me Nilo Parreirinha por não conhecer a sua história. Perdoe-me por só saber hoje de sua morte. Perdoe-me por não ter-lhe dado o último adeus. Descanse em paz!

    Nossa vida é um sopro e a qualquer instante, podemos deixar de soprar.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Entre.

Por Vitalina de Assis.





Deixe a porta entreaberta
Invadirei  seu quarto

noite
adentro.

ilumine um ponto  desta solidão
e tocarei você

sentirei seu cheiro
provarei seu gosto
esconder-te-ei em  meu corpo
te encontrarás em mim.

Deixo a porta entreaberta
penetre por esta fenda
traga luz para a escuridão
que permeia solitária existência
Aquieta-te ai,
podes fazer morada?

Deixo a porta entreaberta
inteiramente aberta
vãos, brechas e fendas
mundo em cheiros percorres

semeio flores pelo caminho
não se prive
colha abundante néctar
que escondi entre pequenos e grandes

Lábios,

Beije-me os lábios
vãos, brechas e fendas

mel
colméia sou
vós?
 Sois favos .



quinta-feira, 4 de julho de 2013

Percepção.

Por Vitalina de Assis.




Hoje acordei com um sentimento ímpar  e ao olhar-me no espelho, desejei ser outra  pessoa. Abri as portas do meu guarda-roupa, reconheci minhas vestes incolores. Uma nova percepção veio de encontro a este sentimento avesso, tão único, intransferível. Possibilitou-me a oportunidade de entre cores e formatos diferenciados, ser eu mesma, em outra face, em outro sentir.

Não reconhecia-me nas nuances que percebia no olhar, que divisava além, sentimentos desconexos. O brilho de tais sentimentos possui o poder de transmutar o imutável. Ontem adormeci mexida, vasculharam meus sentimentos, desorganizaram minha ordem imprecisa e um incesso de aroma sombrio, perfumou o mantra. Queriam que adormecesse minha alma, desejei não mais acordar. Quando se adormece assim, só incertezas embalam nossa noite, mas amanhecer é dádiva, flecha certeira no âmago do nosso coração. Mata-se o sombrio e  a vida, pulsa latente, fonte a jorrar no raiar de um novo dia.



terça-feira, 21 de maio de 2013

Vemelho e preto.

Por Vitalina de Assis.




Seu pequeno corpo era uma imensidão
a colorir o verde desbotado, ressequida sombra
vermelho e preto
sobressaindo-se,
contam sua estória

Ao ordenar do vento
impossível era ficar assim
contemplativa
um detalhe
um ponto colorido a fazer diferença
Algumas vezes
impelida de um lado a outro
suas asas transparentes e pequenas
eram absolutamente fortes para um ir e vir ...

e

embora regida pela força do  vento
fingia ser seu o movimento
Não submeteu-se nesta manhã
e sob ordens pessoais
aquietar-se foi seu mais absoluto querer
nada devia ao seu silêncio
mergulhou em um oceano sem fala
imóvel
nenhuma onda ousou quebrar-se em seu quieto
e silencioso mar.

Mergulhou em pensamentos
vermelho e preto
o beje
mesclando
um corpo intenso
asas transparentes,
finas,
recolhidas em sua imobilidade imperturbável.

Ontem voou sem destino
forçaram sua rota
sem o poder da escolha
deixou-se

entretanto 

dizia a si mesma:
Amanhã nenhum sopro a forçar
Esperou que amanhecesse sua vontade
seu desejo de ficar por ficar
ancorar no silêncio e na ausência do vento
um ponto
vermelho e preto

mesclando suavemente o beje
em outra vida
sua presença marcou.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Corroída, ainda forte.



Por Vitalina de Assis.


Falta de novidades tendem a silenciar-nos, compartilhar o quê? A mesmice  cansou-nos e permanece irredutível? Entretanto, nada é igual ao ontem e engana-se quem imagina que os dias são os mesmos, que os sentimentos se repetem e que tudo permanece no seu devido lugar. A brisa que soprou, o vento que moveu folhas secas, a chuva que aquietou a poeira e amansou sensações, não volta a soprar, não volta a mover, tampouco se reinventa. Simplesmente segue seu caminho sem   prender-se ao passado, aliás,  faz questão de cortar as amarras. Prender-se ao passado? Fazer roer em lembranças infrutíferas, a corda que pode ser meu salvo conduto para emergir de lugares sombrios? Melhor lançá-la ao futuro, prendê-la em sonhos que sairão da inércia presente.

Viver focado somente no "agora" é tolice de quem que,  como a cigarra da fábula , desejou apenar cantar e encantar-se com seu próprio mantra, ao passo que a formiga, soube usufruir do canto sem contudo cruzar braços na contemplação.  Quantas horas, dias, meses, anos,  escorrem ladeira abaixo enquanto a urgência do momento nos aprisiona em movimentos que não chegam a lugar algum? É  tempo que perde o docente que finge fechar os olhos, enquanto fingimos não colar? O tempo acha graça de nossa ingenuidade, vira o rosto e sorri  e o resultado, dirá o tempo em tempos perdidos: impossível recuperá-los. O aprender se torna efetivo na prática e tantos outros, na prática, nunca se aprende. Em meio a eles, a compreensão que se achega um dia, é martelo a ditar  sentença: Tarde demais! E nós? Nas mãos,  o fiapo de corda corroída ainda é forte, o suficiente, para prender-nos ao passado.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Pura e simplesmente existir.

Por Vitalina de Assis.


Imagem desfocada,
cores que se mesclam
sentimentos confusos?
Em atento olhar
realidade
Sensibilidade que percebe o outro
e se importa.
Um sentir e o mundo troca de lugar
um amor e tudo vira cor
um toque
sentimentos que se alinham
contornos a definir o ser
existir

Sou cor
Sou flor
Sou eu

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Esvoaço.

 Por Vitalina de Assis.




Desejos que não posso conter passeiam por minha pele,
correm por minhas veias, 
e em lugares esquecidos,
pulsam
desejam repouso embora desconheçam o cansaço.  
Enlouquecem e buscam a sanidade que cumpliciar se recusa
faço amor?
Vejo o sol se pôr
entre transparentes véus  esvoaço
no sopro de desejos insubordinados
Adormeço.
A corrida desenfreada
jurou rastros apagar
pretérito intransitável?
Outro caminho
entre curvas perigosas
insinua 
incessante conquista
pelos rastros ilegítimos desejo voltar
Recomeço. 

domingo, 21 de abril de 2013

Des-venda!

 Por Vitalina de Assis.


A vida está em todo lugar
pulsando, esperando, aguardando sua entrada triunfal.
Papeis não respiram? Não pulsam? Não estão prestes à dar a luz?
O que dizer da vida impressa, quase eterna, que tanto inflama nossa  transitória vida?
O que  dizer de desenhos aleatórios da escrita que impactam, em maior ou menor grau, este ou aquele?

Letras , sentimentos, anseios, desejos
soltos ao ar
papeis alinhados
páginas pulsantes
outro pouso não desejam

gerados no silêncio da alma
querem seu segredo revelar
aquieta-te  
escuta
teus receios ... põe de lado
teus segredos...

Des-Venda.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Bobagem.

Por Vitalina de Assis.

Bobagem
pensar assim,
bobagem incluir o outro em nossas únicas e por vezes, descabíveis expectativas. Não se soma quando não há o que somar, mas se divide completamente o nada, ironia de quem não tem o que compartir. Cansei deste vácuo que ostentava título de propriedade, fingia-se "pertenço", falsa unidade pareada. Se na conjugação carnal, os dois uma só carne mentira absoluta - os dois, "únicos", extremos periféricos, inatingíveis!

Bobagem,
não tem um dia sequer em que  não pense nele, não tem um segundo que não o deseje e não tem um milésimo de segundo "eterno", em que eu não acredite que possa acontecer, que talvez  mereça.

Bobagem
achar que pode ser uma história de amor emaranhada e que eu tenha a missão de desembaraçá-la.

A tristeza deseja caminhar a meu lado, eu apresso os meus passos e ela se cansa, então descanso eu e ela me alcança. Sussurra hipnoticamente ao meu ouvido , por pouco não me envolve em seu mantra, no entanto por um descuido, por achar me ter nas mãos, desconcentra e  solta-me. Me solto, pois compreendo que a incerteza não é produtiva, é uma esfomeada que não se farta, mas não é forte o suficiente para as rédeas  nas mãos, reter.

Descobri que a alegria é chave que abre portas, que conquista, que produz resultados e entre  apegos da tristeza, é clarão repentino, a porta que se abre. Exatidão matemática? Pode ser que sim, pode ser que não! O resultado, no final das contas, dirá.

sexta-feira, 29 de março de 2013

ENXERGANDO A PÁSCOA COM UM OLHAR DIFERENCIADO.

Por Vitalina de Assis.


A Páscoa nunca deixará de trazer à nossa memória o maior e mais importante evento do Cristianismo: a morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo, e de quão gratos devemos ser por tamanho sacrifício, entretanto, quero caminhar por outra faceta da mesma e dialogar com você. A Páscoa foi instituída quando Israel era escravo na terra do Egito e, quando as medidas desta escravidão já não comportavam mais uma nação, clamaram por liberdade.

Tudo na vida possui uma medida e é no transbordar destas medidas, sejam elas aparentemente saudáveis, ou aparentemente enfermas é que visualizamos a possibilidade do êxodo. Deixar uma vida de escravidão para trás e se lançar para uma vida de liberdade não é fácil, tampouco confortável. Os pensamentos e atos, supostamente livres, não sabem exercer a autonomia, não foram treinados para isto e se não formos ligeiros, atar-se-ão novamente ao antigo feitor. Ciente deste comportamento nocivo à liberdade, os israelitas receberam de Deus uma orientação a ser seguida à risca, pois disto resultaria, o sucesso do êxodo.

“Desta maneira o comereis: lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão; comê-lo-eis à pressa; é a Páscoa do Senhor.” (Êx.12:11)

Não entrarei em maiores detalhes, basta dizer que deveriam se alimentar de um cordeiro sem mácula por família e que não deveriam fazê-lo em festa, em uma mesa bem posta, e com tempo aprazível para degustar tal banquete. Deveriam comê-lo já preparados para “bater em retirada”, vestidos apropriadamente, sandálias em “punho”, cajado (instrumento indispensável para a grande travessia) e à “pressa”.

Ôpa! Não é a pressa a inimiga da perfeição? É o que dizem e é no que  a maioria acredita e alguns seguem pela vida entoando o mantra: “Ando devagar porque já tive pressa”, veem seus dias arrastando-se lentamente e quando se dão conta....Sobra-se então vacilo, desistência, comodismo, inaptidão para romper, e uma vida à margem da plenitude.

Aquela nação escrava não poderia correr o risco de ser seduzida pela escravidão e abrir mão da liberdade, que a Páscoa acenava-lhes. Quantas “páscoas” ainda teremos que vivenciar para enfim sairmos do cativeiro? “Comê-lo-eis à pressa, é a Páscoa do Senhor”.

Suas medidas estão transbordantes? Ser refém desta situação já é quase impraticável? Alie-se à “pressa” e perceba que os dias estão repletos de oportunidades e muitas delas significam deixar velhos hábitos que nos escravizam, abrir mão se zonas de conforto que estão mais para momentos de guerra civil, e optar pelo pleno exercício de nossa autonomia, o caminho para uma vida de liberdade.

Por vezes precisamos nos libertar de alguns pensamentos nocivos, opressores, que nos mantêm cativos em lugares incomuns sem a menor possibilidade de ascensão e progresso. Páscoa também é  isto, o momento ideal para fugir rapidamente de situações que nos oprimem.

terça-feira, 19 de março de 2013

Vai-te!

Por Vitalina de Assis.






A solidão, muito presente nos dias atuais, assume ares de celebridade e insiste em ser amiga íntima, quase inseparável,  de pessoas comuns. Está presente em todas as camadas sociais e não é privilégio apenas para os descasados, para os que terminaram um relacionamento a dias ou a tanto tempo, que só restou dias incontáveis, ao assumirem a proporção de infinito.

Por mais que busquemos na memória, não nos recordamos mais de dias felizes em boa e indispensável companhia. A Solidão seduziu-nos...cedemos aos seus encantos e nesta simbiose sem benefícios recíprocos não mais nos reconhecemos, mas até quando? Não nos enganemos, estar pareado não significa não estar só. Já viveu um relacionamento em que o outro, presente sob o lençol, no café da manhã despertando-nos, no almoço se comunicando, no jantar descansando o olhar, entre uma notícia e outra em olhos desatentos, falando de frivolidades do dia ao cair da noite? E outra vez sob os lençóis aquecendo os pés, tomando nosso espaço, apossando-se de  nosso travesseiro... e no meio da noite ou do dia, você se pega na mais perfeita solidão e abandono?

Como não foi possível dividir pensamentos? Compartilhar angústias, problemas no trabalho, as injustiças do chefe e quem sabe, novos sonhos e desejos? Tão perto e tão alheio, duas distãncias que se grudam não seria a mais cruel das antíteses? É esta solidão que machuca, que rói por dentro, que desestrutura os alicerces de qualquer empreendimento a dois, de qualquer projeto a curto e longo prazo. Que inviabiliza a realização de sonhos, que impede o passo seguinte, a próxima curva, a mais longa e nova aventura. De repente estamos falando, gesticulando, amando, procriando, buscando o prazer sozinhos! É possível tocar quem está ao nosso lado, mas é impossível sentir seu calor, seu cheiro, sua empatia. Nossa relação, outrora forte por comportar uma cumplicidade, torna-se ainda mais forte para albergar uma solidão crescente e desafiadora. Nos tornamos a soma total de todos os vãos à nossa volta. É esta a solidão que impera em nossos relacionamentos? Se for um sonoro sim,  a resposta, o que fazer então?

Não acredito no futuro saudável de uma relação deste porte, haja vista muitas delas terminarem antes de nos darmos por vencidos, sendo assim, se já era, por quê nos prendermos ao passado como se à nossa frente não nos acenasse um futuro brilhante? Ficar só, ser trocado (a) como se troca uma roupa,(talvez esteja mais do que na hora um novo modelito) pode não ser o fim do poço (e nem a isto se propõe, acredite!) ou a mais triste assolação que "finge" possuir poderes de abate. É certo que ficamos meio lost e ilhados, (p. da vida) mas convenhamos, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Cabe a mim, somente a mim, delegar-lhe ou não, este suposto poder.

Sendo assim, decida-se por um novo olhar, considere ser este o início de uma escalada ao topo do seu sucesso pessoal, (está mais do que na hora de priorizar seus interesses) ao arregaçar das mangas, e ao que considero imprescindível, uma dádiva - resgatar sua própria identidade. Acredite mais em si, invista em seus projetos, em sua carreira. Afinal, “levanta, sacode a poeira, dá volta por cima” pode não ser apenas mais uma canção.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Em algum lugar.

Por Vitalina de Assis.




 
Um dia viajarei para lugares longínquos
onde sonhar
seja o ar a encher pulmões
e luz para recônditos esquecidos
Lugares espelhos que reflitam nitidamente
o que não vejo e  desconheço a meu respeito
que espelhem oportunidades que repousam sobre meus ombros

                                                          (não as culpo
                                                                         se cantei-lhe cantigas de ninar)

despertando-as desta inércia  que torna  lento meu andar
e  cumpram seu papel despertando-me também
                                                                         (não me culpo
                                                                                        se  cantei-me cantigas de ninar)

embora todos os dias um culpar me oculte em abraços

Lugares que resgatem vidas desatreladas do meu eu
que  espiam e desejam tocar-me
atrelar-se  novamente
ocupar vazios da minha alma que me custam
que degustam meu ser fortalecendo-se diariamente
não desejam albergar vazios que me enfraquecem
anseiam compor meu ser
vestir minha alma
libertar tantas e tantas
expulsar  tristezas que oprimem
                                                                                                                          (cantigas de ninar mortais matam
                                                                                      e finjo dormir)

Lugares artísticos aonde a arte de viver
pincele cores sobre o reinante gris
e súditos incolores,
serviçais submissos
apagados
e refeitos pinceis insubmissos
pinceladas
militantes da subversão
solapando sorrateiramente a moral do conformismo
                                                                                                                   
                                                                                                                    (Cantigas de ninar se calam  
ouço o retumbar dos tambores)
Lugares lúdicos
Prazer em fazer e ser
Ora criança, ora mulher
Ora me escondo, ora me acho
Ora compreendo minha essência
Aceito meus medos
e a solidão que me cerceia
parceira fiel
ora conflitamos

Entre jogos se habilita a disputa
não mais criança
nem tão mulher
apenas sobrevivo.
                                                                                                                                        (Cantigas de ninar,
                                                                            não mais. Silêncio.)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Sabonte e Água Quente.

Por Vitalina de Assis.









 A angústia é um ser intrigante! Quando penso que nos despedimos efetivamente, me surpreende em um abraço tão intenso, que chego a pensar ser amor, o que gentilmente me oferece.


Acordei com a ligeira impressão de que este dia, nada poderia oferecer que me entristecesse de alguma forma. Uma destas esplêndidas manhãs em que o nosso primeiro pensamento é de gratidão, e não importa se faz sol ou chuva.  Obrigada! Estou viva! Despertei! Despertamos incrivelmente mais leves, flutuamos como o vapor que nos aquece em um banho que promete lavar o corpo e deixar escorrer pela pele todo vestígio de sonolência, toda preguiça que ainda insiste. Desperta-nos a impressão de que sabonete e água quente, serão capazes de passar a limpo todos os sonhos, desfazendo pesadelos, energizando vontades e desejos. É assim que nos revigora o banho matinal? Possui tais poderes a água que escorre do chuveiro?

Pessoas mais sensatas afirmariam que tal banho,  em dimensões reais, não existe. A água e espuma que limpam o corpo não penetram na epiderme, não viajam até as entranhas do ser lavando alma e sentimentos, não concedem ao interior a essência aromática, não vaporizam deixando úmidas as paredes ressequidas. Sequer possibilitam aos espelhos do sentir uma névoa em que se possa rabiscar, escrever impressões aleatórias, imprimir desejos, forjar uma promessa.

Pessoas mais sensíveis viajam feito bolhas de sabão que se sentem livres para voar. Leves e flutuantes  possuem  o "céu"  como limite, entretanto de repente , pluft, explodem e segundos depois, quem ainda se lembra delas?  Não percebem sua existência efêmera, sua fragilidade pulsante, seu voo sem sentido para um pluft... nada a imprimir em azulejos, espelho, vidros. Sequer tocam o chão. Não nos sentimos da mesma forma, em 'dias especiais'? Leves,  flutuantes, intocáveis em um voo sem limites? Então a  realidade nos toca e compreendemos nossa efemeridade. Somos felizes na nossa  essência? Acreditamos em água morna e sabonete?

Banhada e sem consciência de que tudo isto ocorre em um simples banho, visto roupas previamente escolhidas, embora não tenha escolhido com igual zelo,  os sentimentos a cobrir outros desnudos. Saio semi-vestida sem a percepção  de que, a nudez exposta, compromete a sanidade emocional que requer manhã e dia. Sentimentos descobertos são convites irrecusáveis para que se cubra, a todo custo, tamanha exposição. Então minha leveza bolha de sabão, desnuda e vulnerável, sente achegar-se sorrateiramente, um véu pousando-lhe sobre os ombros como se fosse amigo (entretanto, sem aquela sensação de bem estar, segurança e afeto desconfia de suas intenções) aconchegando-se, sussurrando-lhe pensamentos imprecisos em uma sucessão lógica. "Sente-se tão eufórica e toda esta euforia, roubou-lhe o tempo de vestir-se adequadamente"? "Não se coloca a descoberto  sentimentos infantes". "Podes afirmar que o que sentes é suficientemente seguro de si?"

O tempo frio e úmido, bem  queria tocar-me,  no entanto, minhas vestes só permite-lhe passar ao largo, sem sequer encostar na  minha pele e apesar do desejo de eriçar meus pelos, afasta-se.  Inadequadamente vestida? Não! Mas como explicar a transitoriedade da minha alegria? Esta impressão tátil e o toque de aspereza sobre mim,  fora suficiente para alterar meu estado de espírito. Sinto-me escorregar pelo véu que dos meus ombros salta, estendendo-se sob meus pés. Escorrego por uma tristeza líquida, aquecida, um "me tens em seus braços" e apesar do desconforto, não ouso erguer-me.

À minha volta,  percebo um esforço redobrado do cotidianamente diferenciado chamando-me para observar o inusitado. Dezenas de garças graciosas, enfileiradas, altivas, imóveis mirando o céu  viravam-se lentamente em minha direção, algumas retornavam de um voo calmo e outras abriam as asas para voar. Ao lado, um bando de biguás mergulhavam cronometradamente em busca de alimento e seguiam mergulhando, alimentando-se. Busquei em vão  na minha memória, manhã semelhante, pareceu-me um espetáculo inédito e verdadeiramente o era. 

A vida pulsante, em uma ordem tão precisa, encantava meus olhos e sentimentos, lentamente senti-me erguer. Se o que está a seu redor se esforça sobrenaturalmente para chamar sua atenção, atente! Sustentável é permitir que seus olhos se  fartem da beleza, ao invés de  ficar  despertando dores que repousam. Tudo a seu tempo se acomoda, tranquiliza. Parecia-me  tolice imaginar que tamanho espetáculo, estivesse sendo orquestrado com o único propósito de fazer-me emergir da líquida tristeza aquecida, afinal, quantas vezes nos sentimos indignos de um olhar amigo, de um amor sincero, de um mover divino? Sem que me desse conta, meu estado de espírito agora diferente de minutos atrás, tornara-se alvo de uma ministração de doses de otimismo e inexplicavelmente, fazia-se nítida a impressão do banho - desliza sobre a pele sabonete e água quente, um sob a regência do ir e vir,  o outro, enquanto permite a torneira aberta, enquanto a mão não solta o sabonete e interrompe o prazer do banho.  Sentimentos descobertos, cubro. 


A angústia, como tudo mais, possui seus segredos, seus sabores, suas faces, seu jeito próprio, por vezes, torto, acertivo, insistente! A pitada, a gosto.