quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Língua insensata língua.


Por Vitalina de Assis.







Desejo retratar-me,  retirar palavras ditas em momentos de insensatez como se fosse possível recolher todas elas e lança-las no esquecimento. Reconheço a impossibilidade, mas venho aqui, diante do Universo retratar-me, pedir desculpas, tentar desdizer o que dito foi.
Não desejo cultivar a raiva, plantar sentimentos contraditórios, regar desamores. Quem lucraria com tal colheita? Seria possível nesta vida, esquecer duras palavras, impedir que continuem a doer em nossa memória ainda que pareçam possuir um requintado gosto para angústias e dissabores? Não creio que todas as pessoas sejam assim, (algumas ruminam a raiva a vida inteira e se mil vidas tivessem, ainda seria muito pouco para perdoar) pois a percepção é única e a acolhida passa pelos filtros pessoais de cada existência e evoluir como pessoa, há de ter como prêmio um equilíbrio cada vez mais apurado.
O Salmista suplicou: “Põe, ó Senhor, uma guarda à minha boca; vigia a porta dos meus lábios!”. Que gigantesca responsabilidade estamos jogando no colo de Deus? A nossa mais pura e santa omissão - que Deus me cale se não posso fechar a boca, é isto mesmo? Na verdade estes guardas à porta de nossos lábios deveriam ser e são, acredite, parte do nosso regimento e à espera da nossa voz de comando. Entretanto, ao invés de ordenarmos silêncio abrimos a boca lançamos a palavra ao vento e magicamente tentamos resgata-las, horas ou dias e quem sabe, infinitas vidas depois. Não voltam e quando regressam não o fazem solitárias, desvalidas, queixosas.  Voltam carregadas ao extremo e o efeito bumerangue, após descrever a curva na orelha do outro, retorna pesado às mãos do lançador.
Fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, correto? Então devemos estar cientes de que, tal como Deus, nossas palavras nunca serão meras palavras, elas possuem poder. “Assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei”.
Você consegue compreender o peso desta afirmativa bíblica? Deus é amor em toda a sua plenitude, em um nível que jamais seremos capazes de igualar, ou até mesmo compreender. De sua palavra proferida, não há o que temer, ela vem sobre nós e só volta para Deus após prosperar, cumprir seu desígnio e não há outro Ser, no universo inteiro, que nos queira tão bem. Possuidores deste mesmo poder sobre nossas próprias palavras, há de se ter um cuidado extremo ao proferi-las. Melhor calar, vigiar a boca. Vigiar. O que falamos vai voltar para nós e não voltará sem ônus, então devemos ser ponderados e justos. O salmista, conhecedor do poder de suas palavras solicitou ajuda aos céus para não proferir o mal. Como é fácil criticar, tirar valores, ferir o orgulho de quem nos ouve. Difícil é conferir virtudes, abençoar, exercer a generosidade no falar. Medir o efeito - ouvir-se primeiro, antes de lançar uma palavra da qual não teremos controle algum, deveria ser nosso exercício diário.
O que meus lábios proferiram hoje? Palavras que impulsionam e trazem alegrias, ou palavras néscias e desvirtuadoras? Que minha consciência, generosidade e bom senso sejam os guardas, às portas dos meus lábios. Se loucamente já proferi o que não deveria – perdão, perdoa-me, perdoo-me.



quarta-feira, 6 de julho de 2016

Me voilà! Aqui estou eu!





Me voilà! Aqui estou eu!

Por Vitalina de Assis.







Como já passei dos quarenta e parece-me que os cinquenta, possuem outros tons, então poeticamente, reformulo um conceito do qual nos apropriamos: a vida não começa aos quarenta, como dizem por aí. Nosso segundo turno começa a partir do momento em que compreendo a generosidade do viver, seja em que idade for. Entretanto, reconheço ser verdade que aos cinquenta, a leveza do existir exige que se recolha a âncora e que ao sabor de suaves ventos, nossa embarcação deseja bailar. Danças comigo?

E exatamente como o segundo turno da nossa jornada de trabalho, passa tão rapidamente que mal temos tempo para um lanchinho e, quando assustamos, já se encerrou o expediente, foi-se o dia.  Então deixamos a mesa meio bagunçada, porque tem dias em que não vale a pena ficar nem mais um segundo, entre papéis e pessoas que ficam mais tempo conosco, do que as queridas do nosso núcleo familiar. Atentar para o segundo turno de nossa existência é estar consciente de que a vida espera maior desenvoltura, respeito e a habilidade para se reinventar. 

Acabei de assistir o filme, "Dança comigo?" E devo confessar uma coisa, desta vez doeu! Sempre achei este filme maravilhoso. Richard Gere um homem perfeito, delícia para mulher nenhuma colocar defeito e seus passos para descobrir na dança que a Vida, por mais perfeita ou imperfeita que seja, não precisa estar engessada até que a morte nos separe amém, é inspirador.
Como? Foi a pergunta da esposa para o detetive: - Como uma pessoa que há vinte anos faz todos os dias as mesmas coisas, sente a necessidade de fazer algo diferente? E pensei naquele desconforto, uma insatisfação interior quase como se fosse um feto sendo gerado em nossas entranhas, que não compreendemos a que veio ou aonde quer nos levar. Como lidar com isto? 

[...] A alma tem d’estar sobressaltada pra o nosso barro se sentir viver.[...]
[...] E quem quiser a alma sossegada fuja do mundo e deixe-se morrer.[...]
                                  (Amar ou odiar – Fausto Guedes Teixeira)

É isto! O segundo turno de nossa  existência  requer mais cuidado, requer mudanças de hábitos arraigados, requer jogo de cintura, requer desconforto. Requer maior grau de paciência, mais doçura no olhar, mais compreensão na alma e decididamente, mais “des-propriedade”, aquele total descompromisso com a pose do outro, com as coisas do outro, seja ele parceiro ou filhos.  "Ninguém é de ninguém, na vida tudo passa", cantou o poeta.  Chegou o momento de alforriar coisas e pessoas, alforriar ideias e conceitos, alforriar roupas e sapatos, alforriar este molde de vida, no qual não se cabe mais, porque você cresceu! Crescer causa dor, desapegar é doído. Dói compreender que nu viemos ao mundo e que despidos, de tudo e de todos, sairemos dele. 

"Alma sossegada? Fuja do mundo e deixe-se morrer".  
 
Quando o que mais nos importa, é ausentar-se de todos e do mundo, recolher-se a dias e momentos que nos aprisionam em um espaço físico tão restrito no qual sequer, podemos alongar músculos e ideias e ali ficamos hibernando em pleno verão, é hora de acordarmos para a vida generosa que ainda nos tem, em caminhos desafiadores.

Quanto ao filme: por que se casam? Por que as pessoas não querem ficar sozinhas? Pergunta e revela a esposa, para o detetive: “porque precisamos de espectadores para a nossa vida, alguém que nos assista, compreenda, nos apoie, se importe e que esteja presente”. Aí doeu! Tenso! Naquele dia e momento específico, doeu. 

Hoje meu olhar otimizou, enxergo contornos que a debilidade da visão proporciona. Quanto mais se precisa de lentes para melhor enxergar, mais acurada fica nossa forma de ver e perceber o mundo. Os espectadores para a nossa vida, alguém que nos assista, compreenda, nos apoie, se importe e que esteja presente, não é, necessariamente, a condição de estar pareado a  alguém. Nem sempre trata-se de um outro. 

Nosso segundo turno  é o exato momento em que nos tornamos espectador, aquele que assiste, compreende, apoia, se importa e acima de tudo está presente com generosidade e carinho. O momento em que “eu” deixa de ser egoísmo e passa a ser prioridade. Me voilà! Aqui estou eu!

No "segundo turno" isto importa bem mais, mas estupidamente, percebemos bem menos.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Sente





Sente

Por Vitalina de Assis. 

 


Pareceu-me uma arte.
Puramente obra de arte
Pareceu-me obra de artífice
Sem igual poder entre homens


Que humanas mãos e falhas poderiam
Em séculos de existência
Reproduzir tal feito?
Criar tamanha arte? 


Sorriu minh'alma
Achou graça da falibilidade
De artífice que vive aqui ou ali
Que hoje respira
E amanhã termina
Em um sopro
Um suspiro
Folha seca
Varrida ao vento


Evoquei
Se tuas obras ficam
Podem por capricho do destino
Extinguirem-se também


Mas este poder
que a tudo desenha
Que às ondas dá vida
Que aos céus
Pinta cores sem igual
A este Poder
Reverencio


Passa o mar
Passam as cores
Cala o vento
Cessam os amores
Não filma ninguém


O Poder?
Ah! 

Este Poder?
Não se explica
Sente.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Mudança.





Por Vitalina de Assis









O que dizer de sua vida?
Teria tamanha sequidão
histórias a contar?

Mirei o olhar em dias idos
Ouvi vozes perdidas no tempo
Vento, sussurro, silêncio

Se ninhos abrigastes
Em teus galhos
Cantou a  vida

Hoje muda melodia
Abandono é sua sina
E rente a ti
Canta a morte

Tua quietude
Minha alma inquietas
Vejo guerreira
Tua força extinguiu

Extingui nossos dias
Se esvai nossa força
Imperceptível caminha a morte ao nosso lado
Perceptível mudança pareia 

Viver
Dia após dia
É recompensa maior

E se o ceifeiro
Se apressa a colher o que sente restar
Nossas fartas mãos
gentilmente a Deus agradecem

Se nossos galhos a estalar estão
Falta-nos o tempo
e apurado olhar

Nossos galhos também secam

Nossas folhas ficam pelo chão

E os frutos? Deleites na pele? Arrepios?

Do cheiro e sabor
Doce lembrança
Toque sutil
Assombra dias corridos

Vejo guerreira
Tua força mutou
Se em viçosa lida
Sombra e frutos repartias
Em sua honrada despedida
Minha vida 
inquietude inconformada
Sente o vento 
suas folhas caem
não sopra mais