Mostrando postagens com marcador desejos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador desejos. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Sabonete e água quente.




Por Vitalina de Assis.







A angústia é um ser intrigante! Quando penso que nos despedimos, efetivamente me surpreende em um abraço tão intenso, que chego a pensar ser amor o que gentilmente me oferece.

Acordei com a ligeira impressão de que este dia, nada poderia oferecer que me entristecesse de alguma forma. Uma destas esplêndidas manhãs em que o nosso primeiro pensamento é de gratidão, e não importa se faz sol ou chuva.  Obrigada! Estou viva! Despertei! Despertamos incrivelmente mais leves, flutuamos como o vapor que nos aquece em um banho que promete lavar o corpo e deixar escorrer pela pele todo vestígio de sonolência, toda preguiça que ainda insiste. Nos desperta a impressão de que sabonete e água quente serão capazes de passar a limpo todos os sonhos, desfazendo pesadelos, energizando vontades e desejos. É assim que nos revigora o banho matinal? Possuem tais poderes, a água que escorre do chuveiro?
                                                                                                                                    
Pessoas mais sensatas afirmariam que tal banho,  em dimensões reais, não existe. A água e a espuma que limpam o corpo não penetram na epiderme, não viajam até as entranhas do ser lavando alma e sentimentos, não concedem ao interior a essência aromática, não vaporizam deixando úmidas as paredes ressequidas. Sequer possibilitam aos espelhos do sentir uma névoa, em que se possam escrever impressões aleatórias, imprimir desejos, forjar uma promessa.

Pessoas mais sensíveis viajam feito bolhas de sabão que se sentem livres para voar. Leves e flutuantes  possuem  o "céu"  como limite, entretanto, de repente pluft, explodem e segundos depois, quem ainda se lembram delas?  Não percebe sua existência efêmera, sua fragilidade pulsante, seu voo sem sentido para um pluft... Nada a imprimir em azulejos, espelho, vidros de perfume. Sequer tocam o chão. Não nos sentimos da mesma forma em 'dias especiais'? Leves,  flutuantes, intocáveis em um voo sem limites? Então a realidade nos toca e compreendemos nossa efemeridade. Somos felizes na nossa essência? Acreditamos em água morna e sabonete?

Banhada e sem consciência de que tudo isto ocorre em um simples banho, visto roupas previamente escolhidas, embora não tenha escolhido com igual zelo, os sentimentos a cobrir outros desnudos. Saio semivestida sem a percepção  de que, a nudez exposta compromete a sanidade emocional que requer manhã e dia. Sentimentos descobertos são convites irrecusáveis para que se cubra, a todo custo, tamanha exposição. Então minha leveza bolha de sabão, desnuda e vulnerável sente achegar-se sorrateiramente um véu, posando-lhe sobre os ombros como se fosse amigo (entretanto, sem aquela sensação de bem estar, segurança e afeto desconfia de suas intenções) aconchegando-se, sussurrando-lhe pensamentos imprecisos em uma sucessão lógica. "Sente-se tão eufórica e toda esta euforia, roubou-lhe o tempo de vestir-se adequadamente"? "Não se coloca a descoberto  sentimentos infantes". "Podes afirmar que o que sentes, é suficientemente seguro de si?"

O tempo frio e úmido bem  queria tocar-me, no entanto minhas vestes só permite-lhe passar ao largo, sem sequer encostar-se à minha pele e apesar do desejo de eriçar meus pelos, afasta-se.  Inadequadamente vestida? Não! Mas como explicar a transitoriedade da minha alegria? Esta impressão tátil e o toque da aspereza sobre mim,  fora suficiente para alterar meu estado de espírito. Sinto-me escorregar pelo véu que dos meus ombros salta, estendendo-se sob meus pés. Escorrego por uma tristeza líquida, aquecida, um, "me tens em seus braços" e apesar do desconforto, não ouso erguer-me. Deixe-me aqui, deixe-me aqui.

À minha volta percebo um esforço redobrado do cotidianamente diferenciado chamando-me para observar o inusitado. Dezenas de graciosas garças enfileiradas, altivas, imóveis mirando o céu  viravam-se lentamente em minha direção sugerindo-me um cumprimento cordial e amoroso. Algumas retornavam de um voo calmo e outras abriam as asas para voar. Ao lado, um bando de biguás mergulhava simultaneamente em busca de alimento e seguiam mergulhando, alimentando-se. Busquei em vão  na minha memória manhã semelhante, pareceu-me um espetáculo inédito e verdadeiramente o era.

A vida pulsante em uma ordem tão precisa encantava meus olhos e sentimentos, lentamente senti erguer-me. Se o que está ao seu redor se esforça sobrenaturalmente para chamar sua atenção, atente! Sustentável é permitir que seus olhos se  fartem da beleza, ao invés de  ficar  despertando dores que repousam. Tudo há seu tempo se acomoda, tranquiliza. 

Parecia-me  tolice imaginar que tamanho espetáculo, estivesse sendo orquestrado com o único propósito de fazer-me emergir da líquida tristeza aquecida, afinal, quantas vezes nos sentimos indignos de um olhar amigo, de um amor sincero, de um mover divino? Sem que me desse conta, meu estado de espírito agora diferente de minutos atrás, tornara-se o alvo de uma ministração de doses de otimismo e inexplicavelmente, fazia-se nítida a impressão do banho - desliza sobre a pele sabonete e água quente. Um sob a regência do ir e vir, o outro, enquanto permite a torneira aberta, enquanto a mão não solta o sabonete e interrompe o prazer do banho, sentimentos descobertos, cubro. 

 A angústia, como tudo mais possui seus segredos, seus sabores, suas faces, seu jeito próprio, por vezes, torto, assertivo, insistente! A pitada a gosto.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Irreal.

Por Vitalina de Assis.





Não sabia dizer o tempo sem olhar as horas,
não compreendia porque estava deitada naquele piso frio e se
sentia tão quente,
tão aquecida.
Não entendia as marcas das mãos,
do abraço,
não compreendia o gosto do beijo,
e a sua entranha
não seria capaz de descrever a intensidade com a qual fora possuída.

Entretanto,
sabia perfeitamente que o Irreal rompera como
ela,
com as  fronteiras que o separava do real.
Fora possuída,
não por sonhos,
não por desejos apenas.

Encolhida? Rendida? Presa fácil?
Rendida sim,
subjugada jamais.
Sua ânsia de ser possuída  despossuiu todo o recato
não houve espaço para o sóbrio, para o sensato.

O que se viu foi arroubo,
desacato,
irreverência,
despudor total...

O que era secreto,
revelou-se,
O que estava oculto,
surgiu na escuridão,
O que estava reprimido,
explodiu embebido em magia e fascínio...

E uma mulher comum,
que vivera gôzos tão inexpressivos em toda sua vida,
viu-se arrebatada em puro êxtase... Não havia limites.

Seu gozo expandiu-se
rompeu as raias do imaginário
fez tremer
e gemer toda sua carne.

                                                                    Um italiano saído de um chat,
                                                                 esteve ali e a fez mulher, fêmea plena.