quarta-feira, 1 de março de 2023

Dialogando com Pessoa

 

Dialogando com Pessoa

Por Vitalina de Assis

 

Mar Português – Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

 


Deparei-me com este poema, para ser mais exata com o questionamento poético: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Com certeza já ouvistes esta frase centenas de vezes e talvez, a tenhas pronunciado outras tantas: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, entretanto, em que determinado contexto nos surge esta observação? Aí precisamos voltar ao início do poema e mergulhar em seus versos. O poeta inicia com um tributo ao mar, não à sua beleza ou grandeza, não às suas ondas e ao vento que as embala em um suave mover de ir e vir ou gigantes, para por fim em tudo ao redor.  Ele ressalta o sabor de suas salgadas águas. Quantos provaram desta água em seu primeiro contato para simplesmente constatar: “é salgada de verdade”, no entanto nem de perto passa pela percepção sensorial de que são águas salgadas por serem lacrimais, não é mesmo?

Aqui o poeta nos revela o motivo da invocação: ”Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram, quantas noivas ficaram por casar, para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena”?

Tudo e todas as coisas possuem um preço, mas nem todo preço é monetário e seria injusto, se assim o fosse. “Valeu a pena”?  Questiona o poeta e, em seguida responde: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.  Então para valer a pena viver e ser agraciado por alguma coisa, a alma tem que ser grande. Pode-se compreender qual seja a largura, e o comprimento e a sua altura, e profundidade de uma alma?

“Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor”. Quando lemos Bojador e dor no mesmo contexto, pode-se à primeira vista soar apenas como uma boa rima, mas não é.

O “Bojador” indicado no poema era uma região muito perigosa no mar do Atlântico, criando mitos e lendas sobre o local. Fernando Pessoa remete ao fato histórico da travessia que causava temor aos marinheiros, pois nas primeiras décadas do século XV, segundo a tradição grega, o Bojador era uma barreira que separava os navegantes de um perigo mortal, ser atacados por monstros marinhos. O desaparecimento de muitas embarcações que anteriormente tinham tentado contornar levou-os à confirmação deste mito e assim, o Bojador tornou-se intransponível. Era conhecido como Cabo do Medo, recifes de arestas pontiagudas fervilhava aquela região o que tornava a navegação muito arriscada. Somam-se a isto largos quilômetros da costa em alto mar com a profundidade de pouco mais de dois metros, tempestades, mar agitado e a grande frequência de violentos ventos eram e continuam sendo ainda hoje uma zona que impõe respeito aos navegantes.

“Quem que passar além do Bojador tem que passar além da dor” e aqui, o “eu lírico” fala comigo, com você, fala com todos nós. Passar além do Bojador é tudo aquilo que pode nos tirar da nossa zona de conforto, da mesmice de cada dia, do olhar e percepção que nunca se reinventa. Qualquer movimento contrário nos assusta, nos paralisa, machuca todas as peles que nos revestem, mas é a grande âncora sendo içada do fundo do oceano. Permita-se ser içado, desfrute das benesses que se aproximam.

 “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.

Você tem encontrado muitas dificuldades no seu cotidiano? A vida tem te apresentado desafios que por hora te parecem insuperáveis? Ou quem sabe é apenas um desconforto e você se questiona: Por que é que eu tenho que passar por este stress? Não seria melhor dizer: Próximo! Cansei-me! Não. Não seria. A vida nos apresenta desafios e, são eles que nos conduzem à nossa plena realização.


                                                                                                     

 


 


 

2 comentários:


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