Por Vitalina de Assis.
A angústia é um ser intrigante! Quando penso que
nos despedimos, efetivamente me surpreende em um abraço tão intenso, que chego
a pensar ser amor o que gentilmente me oferece.
Acordei com a ligeira impressão de que este dia,
nada poderia oferecer que me entristecesse de alguma forma. Uma destas
esplêndidas manhãs em que o nosso primeiro pensamento é de gratidão, e não
importa se faz sol ou chuva. Obrigada! Estou viva! Despertei!
Despertamos incrivelmente mais leves, flutuamos como o vapor que nos aquece em
um banho que promete lavar o corpo e deixar escorrer pela pele todo
vestígio de sonolência, toda preguiça que ainda insiste. Nos desperta a
impressão de que sabonete e água quente serão capazes de passar a limpo todos os
sonhos, desfazendo pesadelos, energizando vontades e desejos. É assim que
nos revigora o banho matinal? Possuem tais poderes, a água que escorre do
chuveiro?
Pessoas mais sensatas afirmariam que tal
banho, em dimensões reais, não existe. A água e a espuma que limpam o
corpo não penetram na epiderme, não viajam até as entranhas do ser lavando alma
e sentimentos, não concedem ao interior a essência aromática, não vaporizam
deixando úmidas as paredes ressequidas. Sequer possibilitam aos espelhos do
sentir uma névoa, em que se possam escrever impressões aleatórias, imprimir
desejos, forjar uma promessa.
Pessoas mais sensíveis viajam feito bolhas de
sabão que se sentem livres para voar. Leves e
flutuantes possuem o "céu" como limite,
entretanto, de repente pluft, explodem e segundos depois, quem ainda se lembram
delas? Não percebe sua existência efêmera, sua fragilidade pulsante, seu
voo sem sentido para um pluft... Nada a imprimir em azulejos, espelho, vidros
de perfume. Sequer tocam o chão. Não nos sentimos da mesma forma em 'dias
especiais'? Leves, flutuantes, intocáveis em um voo sem
limites? Então a realidade nos toca e compreendemos nossa efemeridade.
Somos felizes na nossa essência? Acreditamos em água morna e sabonete?
Banhada e sem consciência de que tudo isto ocorre em
um simples banho, visto roupas previamente escolhidas, embora não tenha
escolhido com igual zelo, os sentimentos a cobrir outros desnudos. Saio semivestida
sem a percepção de que, a nudez exposta compromete a sanidade
emocional que requer manhã e dia. Sentimentos descobertos são convites
irrecusáveis para que se cubra, a todo custo, tamanha exposição. Então
minha leveza bolha de sabão, desnuda e vulnerável sente achegar-se
sorrateiramente um véu, posando-lhe sobre os ombros como se fosse amigo
(entretanto, sem aquela sensação de bem estar, segurança e afeto
desconfia de suas intenções) aconchegando-se, sussurrando-lhe pensamentos
imprecisos em uma sucessão lógica. "Sente-se tão eufórica e toda
esta euforia, roubou-lhe o tempo de vestir-se adequadamente"? "Não se
coloca a descoberto sentimentos infantes". "Podes afirmar que o
que sentes, é suficientemente seguro de si?"
O tempo frio e úmido bem queria tocar-me, no
entanto minhas vestes só permite-lhe passar ao largo, sem sequer encostar-se
à minha pele e apesar do desejo de eriçar meus pelos, afasta-se.
Inadequadamente vestida? Não! Mas como explicar a transitoriedade da
minha alegria? Esta impressão tátil e o toque da aspereza
sobre mim, fora suficiente para alterar meu estado de espírito.
Sinto-me escorregar pelo véu que dos meus ombros salta, estendendo-se sob meus
pés. Escorrego por uma tristeza líquida, aquecida, um, "me tens em seus
braços" e apesar do desconforto, não ouso erguer-me. Deixe-me aqui,
deixe-me aqui.
À minha volta percebo um esforço redobrado do
cotidianamente diferenciado chamando-me para observar o inusitado. Dezenas
de graciosas garças enfileiradas, altivas, imóveis mirando o céu viravam-se
lentamente em minha direção sugerindo-me um cumprimento cordial e amoroso. Algumas retornavam
de um voo calmo e outras abriam as asas para voar. Ao lado, um bando de biguás
mergulhava simultaneamente em busca de alimento e seguiam mergulhando,
alimentando-se. Busquei em vão na minha memória manhã
semelhante, pareceu-me um espetáculo inédito e verdadeiramente o era.
A vida pulsante em uma ordem tão precisa encantava
meus olhos e sentimentos, lentamente senti erguer-me. Se o que está ao seu
redor se esforça sobrenaturalmente para chamar sua atenção,
atente! Sustentável é permitir que seus olhos se fartem da
beleza, ao invés de ficar despertando dores que repousam. Tudo
há seu tempo se acomoda, tranquiliza.
Parecia-me tolice imaginar que tamanho
espetáculo, estivesse sendo orquestrado com o único propósito de fazer-me
emergir da líquida tristeza aquecida, afinal, quantas vezes nos sentimos
indignos de um olhar amigo, de um amor sincero, de um mover
divino? Sem que me desse conta, meu estado de espírito agora diferente de
minutos atrás, tornara-se o alvo de uma ministração de doses de otimismo
e inexplicavelmente, fazia-se nítida a impressão do banho
- desliza sobre a pele sabonete e água quente. Um sob a regência do ir e
vir, o outro, enquanto permite a torneira aberta, enquanto a mão não solta
o sabonete e interrompe o prazer do banho, sentimentos descobertos,
cubro.
A angústia, como tudo mais possui seus
segredos, seus sabores, suas faces, seu jeito próprio, por vezes, torto, assertivo,
insistente! A pitada a gosto.