terça-feira, 7 de março de 2023

Chamando à existência.

 



Por Vitalina de Assis

 

                           

                   A Calopsita e eu.

 



A primeira vez que tive contato com a palavra Calopsita, foi através de uma faixa em uma das ruas do meu bairro que dizia: “Procura-se duas Calopsitas que fugiram no sábado, dia 20/01. São dóceis e pertencem a uma criança autista que está desconsolada. Paga-se muito bem por elas”. Pensei na criança autista, me solidarizei com a angústia do responsável, mas me perguntei: que diabo é isto? Será uma raça de cachorro? Gato? Não tinha a menor ideia, mas curiosa como sou fui ao Google e qual não foi a minha surpresa com aquela avezinha toda fofa, inteligente e tão apegada aos seus humanos. Mesmo fofinha, sequer cogitei a possibilidade de possuir uma. Meu mundo era 100% cães, meu pet lindo, parceiro, inteligente e protetor chamava-se Spike. Pense em um “maltês ilhasa” (pai maltês, mãe ilhasa) que só faltava falar, multiplique por 100 e pode ser que se aproxime do meu Spike que eu, carinhosamente apelidava de hilander, pois parecia eterno. Os cachorros vizinhos morriam depois de alguns anos, mas o Spike continuava firme e forte. Minha filha Thamyrez conjecturava: Será que aconteceu algo sobrenatural quando o Spike foi criado?

- Como assim? Questionava eu.

- Alguém lá encima esqueceu-se de acrescentar a morte ao seu DNA e ele não vai morrer, vai enterrar todos aqui. 

Seria isto possível? E ríamos. Ele se foi aos 20 anos, já não andava mais, usava fralda, tinha sessões semanais de acupuntura, tomava remédio controlado e continuava a se alimentar com muito apetite e apesar de muitos conselhos de leigos para sacrificá-lo, isto não passava pela minha cabeça. Acredito na vida e que os nossos dias de existência são contados e os vivemos na íntegra. Não possuímos o poder de acrescentar um dia a mais, pois o poder da vida e da morte a Deus pertence. Você pode argumentar que possuem a escolha de uma morte voluntária através de um suicídio, mas será que as pessoas que assim o fazem estão exercendo sua autonomia, seu livre arbítrio? Acredito que este ato desconstrói toda a beleza e harmonia do viver e vai na contramão de tudo que o Criador preparou para cada um de nós.   O Spike se foi deixando  um vazio enorme em seu lugar, mas definitivamente não estava em meus planos adotar outro vidinha.  Em plena pandemia e afastamento social era na bendita vacina que eu pensava e no retorno ao trabalho.

Você deve estar pensando com os seus botões: que história é esta que esta mulher está a contar? Começou com a Calopsita, depois entrou um cachorro lindo e inteligente que envelheceu e morreu em plena pandemia. Imagino que ela tenha sido vacinada e pelo andar da carruagem deve ter regressado ao trabalho e como cantou o poeta: “tudo está no seu lugar, graças a Deus”. Perdi algo mais? Ah sim! E a calopsita? O que sucedeu?

As calopsitas da faixa não faço ideia, mas minha irmã ganhou uma e encantada com o bichinho  tentou convencer-me a adotar uma, porém ela não teve êxito, não por hora. Devo confessar que por curiosidade pesquisei preço e me agradou a ideia de possuir uma, mas como se diz por aqui eu esperei esta ideia passar e a vontade seguiu junto. Quando desejamos algo e desejar é uma ação e um sentimento vibratório e, independentemente de ser positivo ou negativo sempre retornam ao seu ponto de origem, ou seja, nós mesmos. Então se os seus pensamentos são positivos, que ótimo! Caso sejam negativos, sombrios e, você não consegue entender porque coisas ruins te sobrevêm o tempo todo, então está mais do que na hora de rever, abortar e substituir cada um deles. Quando me foi apresentada a ideia de ter uma calopsita aceitei inconscientemente, assistia aos vídeos que me eram enviados, percebi que minha vizinha possuía um casal fértil e bastante barulhentos. Quando um desejo ou uma ideia encontra espaço em nossa mente subconsciente, este solo fértil de criação, é certo que colheremos no nosso mundo físico.

Meu cachorro Spike morreu em fevereiro e todos sabem como é dolorosa a perda de um pet que é parte de nossa família. Vivi meu período de luto confortada por um sentimento de extrema gratidão por ter convivido com um ser tão especial e, exatos oito meses após sua morte, em uma bela manhã sem sol aconteceu o inesperado. Uma calopsita emaranhou-se em um dos arbustos do jardim principal no local onde trabalho e deu uma trabalheira doida para o meu colega Hebert que a resgatou. Seus dedos que o digam. Colocou-a em uma pequena caixa de papelão e abriu alguns furos para que ela pudesse respirar com mais facilidade. Quando eu soube do ocorrido pensei imediatamente: esta calopsita veio para mim, eu a co-criei com a minha mente subconsciente. Como o universo nos trás aquilo que cocriamos é com ele, a nós cabe receber e agradecer com alegria. 

Todas as pessoas em volta ficaram entusiasmadas e se dispuseram para adotá-la, ofereceram dinheiro, e ele afirmando que quem pagasse mais a levaria. E eu, na contramão de todos sabia perfeitamente que não se tratava de uma mera coincidência – aquele lindo pássaro estava ali por mim e para mim. Ao afirmar-lhe isto, Hebert olhou-me nos olhos e disse-me: O universo a trouxe para todos nós e quem pagar mais, vai leva-la. Ok, disse-lhe eu. Fui para a minha mesa e declarei: universo, esta ave veio ao meu encontro, é minha e não preciso pagar por ela. Horas depois, no final do expediente ele se aproximou entregou-me a calopsita e pasmem, disse-me que assim que a viu soube no seu coração que a daria para mim.

O que podemos compreender de tudo isto? Que somos seres capacitados e responsáveis por criar o nosso próprio entorno. Se o que vivenciamos no nosso dia a dia não nos agrada, não há a quem culpar. Esta história de que nossa vida poderia ser melhor se A ou B fosse assim ou assado, se tivéssemos nascido neste ou naquele país, se fossemos dotados deste ou daquele dom, se tivéssemos tido as mesmas oportunidades dos filhos de um rico empresário nossa vida seria maravilhosa, perfeita, excepcional. É assim que as coisas funcionam? O mundo não seria justo se tudo isto fosse o fator determinante. Quando formos capazes de compreender a vasta sabedoria que habita em nosso interior e que a mesma, responde aos nossos pensamentos vibracionais tornando-os realidade em nossas vidas saberemos escolher e dar lugar aos que são positivos, bem como rejeitar os que podem ocasionar o mal em nossas vidas.

Experimente chamar à existência coisas simples. Pense na simplicidade como uma escada à sua frente e, na medida em que avanças, maiores serão suas conquistas. Bora Tentar?

 




quarta-feira, 1 de março de 2023

Dialogando com Pessoa

 

Dialogando com Pessoa

Por Vitalina de Assis

 

Mar Português – Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

 


Deparei-me com este poema, para ser mais exata com o questionamento poético: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Com certeza já ouvistes esta frase centenas de vezes e talvez, a tenhas pronunciado outras tantas: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, entretanto, em que determinado contexto nos surge esta observação? Aí precisamos voltar ao início do poema e mergulhar em seus versos. O poeta inicia com um tributo ao mar, não à sua beleza ou grandeza, não às suas ondas e ao vento que as embala em um suave mover de ir e vir ou gigantes, para por fim em tudo ao redor.  Ele ressalta o sabor de suas salgadas águas. Quantos provaram desta água em seu primeiro contato para simplesmente constatar: “é salgada de verdade”, no entanto nem de perto passa pela percepção sensorial de que são águas salgadas por serem lacrimais, não é mesmo?

Aqui o poeta nos revela o motivo da invocação: ”Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram, quantas noivas ficaram por casar, para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena”?

Tudo e todas as coisas possuem um preço, mas nem todo preço é monetário e seria injusto, se assim o fosse. “Valeu a pena”?  Questiona o poeta e, em seguida responde: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.  Então para valer a pena viver e ser agraciado por alguma coisa, a alma tem que ser grande. Pode-se compreender qual seja a largura, e o comprimento e a sua altura, e profundidade de uma alma?

“Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor”. Quando lemos Bojador e dor no mesmo contexto, pode-se à primeira vista soar apenas como uma boa rima, mas não é.

O “Bojador” indicado no poema era uma região muito perigosa no mar do Atlântico, criando mitos e lendas sobre o local. Fernando Pessoa remete ao fato histórico da travessia que causava temor aos marinheiros, pois nas primeiras décadas do século XV, segundo a tradição grega, o Bojador era uma barreira que separava os navegantes de um perigo mortal, ser atacados por monstros marinhos. O desaparecimento de muitas embarcações que anteriormente tinham tentado contornar levou-os à confirmação deste mito e assim, o Bojador tornou-se intransponível. Era conhecido como Cabo do Medo, recifes de arestas pontiagudas fervilhava aquela região o que tornava a navegação muito arriscada. Somam-se a isto largos quilômetros da costa em alto mar com a profundidade de pouco mais de dois metros, tempestades, mar agitado e a grande frequência de violentos ventos eram e continuam sendo ainda hoje uma zona que impõe respeito aos navegantes.

“Quem que passar além do Bojador tem que passar além da dor” e aqui, o “eu lírico” fala comigo, com você, fala com todos nós. Passar além do Bojador é tudo aquilo que pode nos tirar da nossa zona de conforto, da mesmice de cada dia, do olhar e percepção que nunca se reinventa. Qualquer movimento contrário nos assusta, nos paralisa, machuca todas as peles que nos revestem, mas é a grande âncora sendo içada do fundo do oceano. Permita-se ser içado, desfrute das benesses que se aproximam.

 “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.

Você tem encontrado muitas dificuldades no seu cotidiano? A vida tem te apresentado desafios que por hora te parecem insuperáveis? Ou quem sabe é apenas um desconforto e você se questiona: Por que é que eu tenho que passar por este stress? Não seria melhor dizer: Próximo! Cansei-me! Não. Não seria. A vida nos apresenta desafios e, são eles que nos conduzem à nossa plena realização.


                                                                                                     

 


 


 

sexta-feira, 6 de março de 2020

La gratitud es un verbo.



Por Vitalina de Assis.






Tiendo a despertarme a las cuatro de la mañana para meditar, y siempre me levanto antes de que suene el teléfono. Uno de estos amaneceres, tuve un sueño antes del tiempo de meditación y desperté por este hecho. Déjame informarlo:

Iba a viajar y me acompañaban dos personas que no recuerdo quiénes eran. Íbamos en autobús y mientras esperábamos, fui al baño y cuando volví a abordar decidí contactar a la gente y fue allí, que extrañé mi teléfono celular y me di cuenta de que había olvidado mi bolso en alguna parte. Me golpeó la desesperación, no sabía exactamente dónde mirar y tendría que hacerlo muy rápido, porque el autobús ya se estaba deteniendo. Cuando me mudé para volver al baño, pensé en esperar amigos, miré a la multitud que estaba abarrotada y entendí que no los vería y decidí buscar rápidamente, en esto me desperté con todos los detalles en mente y naturalmente no estaba de acuerdo con el sueño diciendo: I No soy una mujer perdida, no pierdo mi teléfono celular, y mucho menos mi bolso. Cogí mi teléfono celular y fui a meditar. Luego me levanté, me vestí y salí a trabajar. Me senté en los tres autobuses, gratitud, gratitud, gratitud. En el centro, compré panes para desayunar, pan de queso y una rebanada de pastel. Cuando bajé del tercer autobús, me di cuenta de que había olvidado la bolsa con mi café. Confieso que estaba enojado, tenía hambre, había comprado más de lo que debería y estaba muy frustrada. Me quejé y solo después de un tiempo le agradecí, porque seguramente alguien se alimentaría de mi olvido. Como a veces es difícil expresar gratitud al principio, ¿no creemos que sí?

Entonces recordé el sueño y consideré la razón de mi falta de atención. Imaginé que alguien necesitaba esto como prueba del afecto y el cuidado de Dios por ella. Esto alegra mi corazón. Reafirmé que no debo perder, sino donar, dar, bendecir.

Reflexioné sobre una frase que generalmente digo: "Dios tiene más para dar que el demonio para tomar" e inmediatamente no estuve de acuerdo con esta frase, porque el demonio no toma nada de mi vida, ni de nadie más. Somos totalmente responsables de todo lo que se nos ocurre, incluso cuando estamos o nos sentimos perjudicados. Soy el capitán de mi destino y estoy alerta para no trabajar en mi contra. Estoy agradecida de que, incluso de manera involuntaria, le di de comer a alguien para el desayuno y más que solo alimentarlo, bendije a esa persona. Siempre somos bendiciones, lo sepamos o no, y se practica la gratitud.

Eterna gratitud.

terça-feira, 3 de março de 2020

Gratidão é verbo.



Gratidão é verbo


Por Vitalina de Assis.








Tenho por hábito  acordar às quatro da manhã para meditar, e sempre acordo antes do celular tocar. Uma madrugada destas, tive um sonho antes do horário da meditação e acordei por este fato. Passo a relatá-lo:

Eu ia viajar e estava acompanhada de duas pessoas que não me recordo quem eram. Íamos de ônibus e enquanto esperávamos, fui ao banheiro e ao retornar para o embarque decidi contatar com as pessoas e foi aí, que dei falta do meu celular e percebi que havia esquecido minha bolsa em algum lugar. Bateu-me um desespero, não sabia exatamente onde procurar e teria que fazer isto muito ligeiro, pois o ônibus já estava encostando. Quando movi para retornar ao banheiro, pensei em esperar pelos amigos, olhei para a multidão que estava aglomerando e entendi que não iria vê-los e resolvi procurar rapidamente, nisto eu acordei com todos os detalhes em mente e naturalmente discordei do sonho dizendo: Eu não sou mulher de perdas, não perco meu celular e muito menos a minha bolsa. Pequei meu celular e fui meditar. Após, levantei, me arrumei e saí para o trabalho. Fui sentada nos três ônibus, agradeci, agradeci, agradeci. No centro, comprei pães para o café, pão de queijo e uma fatia de bolo. Quando desci do terceiro ônibus, percebi que havia esquecido a sacola com o meu café. Confesso que fiquei irritada, estava com fome, tinha comprado mais do que deveria e me senti muito frustrada. Reclamei e só depois de um tempo agradeci, pois certamente alguém seria alimentado com o meu esquecimento. Como às vezes é difícil expressarmos gratidão no primeiro momento, não nos parece assim?

Então me lembrei do sonho e fiquei a considerar o motivo da minha desatenção. Imaginei que alguém precisasse disto como prova do carinho de Deus e cuidado para com ela. Isto alegrou meu coração. Reafirmei que não sou de perder, mas de doar, dar, abençoar.

Refleti sobre uma frase que costumo dizer: "mais tem Deus para dar, do que o diabo para levar" e imediatamente discordei desta frase, pois o diabo não leva nada da minha vida, ou de quem quer que seja. Somos totalmente responsáveis por tudo o que nos ocorre, até mesmo quando somos ou nos sentimos prejudicados. Sou a capitã do meu destino e estou alerta para não trabalhar contra mim. Sou grata porque, mesmo de uma maneira involuntária alimentei alguém no café da manhã e mais do que alimentar, abençoei esta pessoa. Somos sempre bênçãos, estejamos conscientes disto, ou não e gratidão se pratica.

Gratidão eterna.





segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Sabonete e água quente.




Por Vitalina de Assis.







A angústia é um ser intrigante! Quando penso que nos despedimos, efetivamente me surpreende em um abraço tão intenso, que chego a pensar ser amor o que gentilmente me oferece.

Acordei com a ligeira impressão de que este dia, nada poderia oferecer que me entristecesse de alguma forma. Uma destas esplêndidas manhãs em que o nosso primeiro pensamento é de gratidão, e não importa se faz sol ou chuva.  Obrigada! Estou viva! Despertei! Despertamos incrivelmente mais leves, flutuamos como o vapor que nos aquece em um banho que promete lavar o corpo e deixar escorrer pela pele todo vestígio de sonolência, toda preguiça que ainda insiste. Nos desperta a impressão de que sabonete e água quente serão capazes de passar a limpo todos os sonhos, desfazendo pesadelos, energizando vontades e desejos. É assim que nos revigora o banho matinal? Possuem tais poderes, a água que escorre do chuveiro?
                                                                                                                                    
Pessoas mais sensatas afirmariam que tal banho,  em dimensões reais, não existe. A água e a espuma que limpam o corpo não penetram na epiderme, não viajam até as entranhas do ser lavando alma e sentimentos, não concedem ao interior a essência aromática, não vaporizam deixando úmidas as paredes ressequidas. Sequer possibilitam aos espelhos do sentir uma névoa, em que se possam escrever impressões aleatórias, imprimir desejos, forjar uma promessa.

Pessoas mais sensíveis viajam feito bolhas de sabão que se sentem livres para voar. Leves e flutuantes  possuem  o "céu"  como limite, entretanto, de repente pluft, explodem e segundos depois, quem ainda se lembram delas?  Não percebe sua existência efêmera, sua fragilidade pulsante, seu voo sem sentido para um pluft... Nada a imprimir em azulejos, espelho, vidros de perfume. Sequer tocam o chão. Não nos sentimos da mesma forma em 'dias especiais'? Leves,  flutuantes, intocáveis em um voo sem limites? Então a realidade nos toca e compreendemos nossa efemeridade. Somos felizes na nossa essência? Acreditamos em água morna e sabonete?

Banhada e sem consciência de que tudo isto ocorre em um simples banho, visto roupas previamente escolhidas, embora não tenha escolhido com igual zelo, os sentimentos a cobrir outros desnudos. Saio semivestida sem a percepção  de que, a nudez exposta compromete a sanidade emocional que requer manhã e dia. Sentimentos descobertos são convites irrecusáveis para que se cubra, a todo custo, tamanha exposição. Então minha leveza bolha de sabão, desnuda e vulnerável sente achegar-se sorrateiramente um véu, posando-lhe sobre os ombros como se fosse amigo (entretanto, sem aquela sensação de bem estar, segurança e afeto desconfia de suas intenções) aconchegando-se, sussurrando-lhe pensamentos imprecisos em uma sucessão lógica. "Sente-se tão eufórica e toda esta euforia, roubou-lhe o tempo de vestir-se adequadamente"? "Não se coloca a descoberto  sentimentos infantes". "Podes afirmar que o que sentes, é suficientemente seguro de si?"

O tempo frio e úmido bem  queria tocar-me, no entanto minhas vestes só permite-lhe passar ao largo, sem sequer encostar-se à minha pele e apesar do desejo de eriçar meus pelos, afasta-se.  Inadequadamente vestida? Não! Mas como explicar a transitoriedade da minha alegria? Esta impressão tátil e o toque da aspereza sobre mim,  fora suficiente para alterar meu estado de espírito. Sinto-me escorregar pelo véu que dos meus ombros salta, estendendo-se sob meus pés. Escorrego por uma tristeza líquida, aquecida, um, "me tens em seus braços" e apesar do desconforto, não ouso erguer-me. Deixe-me aqui, deixe-me aqui.

À minha volta percebo um esforço redobrado do cotidianamente diferenciado chamando-me para observar o inusitado. Dezenas de graciosas garças enfileiradas, altivas, imóveis mirando o céu  viravam-se lentamente em minha direção sugerindo-me um cumprimento cordial e amoroso. Algumas retornavam de um voo calmo e outras abriam as asas para voar. Ao lado, um bando de biguás mergulhava simultaneamente em busca de alimento e seguiam mergulhando, alimentando-se. Busquei em vão  na minha memória manhã semelhante, pareceu-me um espetáculo inédito e verdadeiramente o era.

A vida pulsante em uma ordem tão precisa encantava meus olhos e sentimentos, lentamente senti erguer-me. Se o que está ao seu redor se esforça sobrenaturalmente para chamar sua atenção, atente! Sustentável é permitir que seus olhos se  fartem da beleza, ao invés de  ficar  despertando dores que repousam. Tudo há seu tempo se acomoda, tranquiliza. 

Parecia-me  tolice imaginar que tamanho espetáculo, estivesse sendo orquestrado com o único propósito de fazer-me emergir da líquida tristeza aquecida, afinal, quantas vezes nos sentimos indignos de um olhar amigo, de um amor sincero, de um mover divino? Sem que me desse conta, meu estado de espírito agora diferente de minutos atrás, tornara-se o alvo de uma ministração de doses de otimismo e inexplicavelmente, fazia-se nítida a impressão do banho - desliza sobre a pele sabonete e água quente. Um sob a regência do ir e vir, o outro, enquanto permite a torneira aberta, enquanto a mão não solta o sabonete e interrompe o prazer do banho, sentimentos descobertos, cubro. 

 A angústia, como tudo mais possui seus segredos, seus sabores, suas faces, seu jeito próprio, por vezes, torto, assertivo, insistente! A pitada a gosto.