Dialogando com Pessoa
Por Vitalina de Assis
Mar Português – Fernando
Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Deparei-me com este poema, para ser mais
exata com o questionamento poético: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma
não é pequena”. Com certeza já ouvistes esta frase centenas de vezes e talvez,
a tenhas pronunciado outras tantas: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”,
entretanto, em que determinado contexto nos surge esta observação? Aí precisamos
voltar ao início do poema e mergulhar em seus versos. O poeta inicia com um
tributo ao mar, não à sua beleza ou grandeza, não às suas ondas e ao vento que
as embala em um suave mover de ir e vir ou gigantes, para por fim em tudo ao
redor. Ele ressalta o sabor de suas
salgadas águas. Quantos provaram desta água em seu primeiro contato para
simplesmente constatar: “é salgada de verdade”, no entanto nem de perto passa
pela percepção sensorial de que são águas salgadas por serem lacrimais, não é
mesmo?
Aqui o poeta nos revela o motivo da
invocação: ”Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! Por te
cruzarmos, quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram, quantas noivas
ficaram por casar, para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena”?
Tudo e todas as coisas possuem um preço,
mas nem todo preço é monetário e seria injusto, se assim o fosse. “Valeu a
pena”? Questiona o poeta e, em seguida
responde: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Então para valer a pena viver e ser agraciado
por alguma coisa, a alma tem que ser grande. Pode-se compreender qual seja a
largura, e o comprimento e a sua altura, e profundidade de uma alma?
“Quem quer passar além do Bojador tem
que passar além da dor”. Quando lemos Bojador e dor no mesmo contexto, pode-se
à primeira vista soar apenas como uma boa rima, mas não é.
O “Bojador” indicado no poema era uma
região muito perigosa no mar do Atlântico, criando mitos e lendas sobre o
local. Fernando Pessoa remete ao fato histórico da travessia que causava temor
aos marinheiros, pois nas primeiras décadas do século XV, segundo a tradição
grega, o Bojador era uma barreira que separava os navegantes de um perigo
mortal, ser atacados por monstros marinhos. O desaparecimento de muitas
embarcações que anteriormente tinham tentado contornar levou-os à confirmação
deste mito e assim, o Bojador tornou-se intransponível. Era conhecido como Cabo
do Medo, recifes de arestas pontiagudas fervilhava aquela região o que tornava
a navegação muito arriscada. Somam-se a isto largos quilômetros da costa em
alto mar com a profundidade de pouco mais de dois metros, tempestades, mar
agitado e a grande frequência de violentos ventos eram e continuam sendo ainda
hoje uma zona que impõe respeito aos navegantes.
“Quem que passar além do Bojador tem que
passar além da dor” e aqui, o “eu lírico” fala comigo, com você, fala com todos
nós. Passar além do Bojador é tudo aquilo que pode nos tirar da nossa zona de
conforto, da mesmice de cada dia, do olhar e percepção que nunca se reinventa.
Qualquer movimento contrário nos assusta, nos paralisa, machuca todas as peles
que nos revestem, mas é a grande âncora sendo içada do fundo do oceano.
Permita-se ser içado, desfrute das benesses que se aproximam.
“Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele
é que espelhou o céu”.
Você tem encontrado muitas dificuldades no seu cotidiano? A vida tem te apresentado desafios que por hora te parecem insuperáveis? Ou quem sabe é apenas um desconforto e você se questiona: Por que é que eu tenho que passar por este stress? Não seria melhor dizer: Próximo! Cansei-me! Não. Não seria. A vida nos apresenta desafios e, são eles que nos conduzem à nossa plena realização.
Fantástico!
ResponderExcluirMuito obrigada, amigo anônimo. Volte sempre!!
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