Por Vitalina de Assis.
Um dia destes encontrei-me assim: Sem vontade de tomar as colheradas diárias de riso, ou exercitar meu otimismo exacerbado, meu reservatório lacrimal na seca e por sorte, apesar de mínima, uma vontade de “correr andando”. Fui e pelo caminho recordei-me do que me dissera um amigo acerca de considerarmos que “o dia perfeito” está dentro de cada um de nós, e concluí que ele estava certo. Aqui reside um grande segredo: Quando rir não te parece conveniente e chorar está fora de cogitação: REFLITA! MEDITE! PENSE, ou MERGULHE em busca de tesouros.
Tudo começa e encerra-se dentro de nós mesmos. Se não sou capaz de encontrar beleza e vida no meu interior, será muito difícil encontrá-la fora e disponível para mim. Ainda que me deparasse com uma bela flor crescendo a olhos vistos em um lugar inadequado, no esgoto, não seria possível encantar-me, porém sinto-me feliz por fazê-lo e por poder retratá-lo em palavras. Minha vizinha não possui a mesma dádiva e ao contemplar tal flor, suas mãos arrancaram-na sem o menor constrangimento. (Sobre isto falarei mais tarde) Penso também que, se eu conseguir enxergar o belo exteriormente posso interiorizá-lo e reter toda essa beleza. A questão do olhar é fundamental, se meus olhos forem limpos, todo o meu interior será iluminado.
Sempre extasia-me a beleza que posso ver na Lagoa da Pampulha. (Não atento para o cheiro, limpeza ou algo parecido, são apenas meros detalhes) Alegro-me quando livre o bastante posso sair dos meus compromissos e deixar-me sem compromisso, apenas usufruir e compreender que em tudo posso criar este dia perfeito.
Ao cair da tarde quando a noite vai cobrindo o sol, é possível ver as garças em bandos retornando para o seu lar noturno, uma pequena ilha no meio da lagoa. É uma visão mágica de inebriante beleza capaz de cativar, subjugar toda e qualquer vicissitude diária. Nenhuma retorna sozinha. Estão em bandos, em pequenos grupos, voando bem rente a lagoa e fazem questão de molharem os pés. Penso que pode ser um ritual.
Estariam livrando-se de pequenos ou grandes aborrecimentos vividos durante o dia? Estariam com este hábito, levando para os galhos que as abrigam e certamente ressecados pelo sol, um suave refresco como forma de agradecimento? Ou estariam conjugando estas duas coisas e desejando que fôssemos capazes de percebermos a sabedoria que as envolvem e que, mesmo sendo tão diferentes compartilham conosco do mesmo oxigênio, dos mesmos raios solares, do mesmo planeta?
Percebo então que posso fazer o mesmo ao cair da minha tarde, independente da noite já estar cobrindo, ou não os meus raios solares. Posso livrar-me de alguns pesos, de todos os pesos talvez que permearam o meu dia. Posso deixá-los sobre as águas que limpam e permitir que as correntezas, águas que jamais retornam ao mesmo lugar, se encarreguem de levá-los para longe de mim. Posso num gesto generoso e bem pensado agradecer ao final do dia pelo abrigo que sempre encontro. Posso retornar à minha ilha com os meus pés limpos, molhados, e permitir que os galhos ressequidos se alegrem com o meu retorno.
Posso retornar em bandos, em pequenos grupos, ou talvez só.
Posso tentar encontrar hoje um lugar para mim junto aos bandos.
Posso tentar amanhã encaixar-me nos pequenos grupos e ser parte dele.
Posso escolher regressar só, ou posso sem escolha alguma retornar sozinha, no
entanto poderei nos galhos aproximar-me e deixar-me encostar.
Posso tentar encontrar hoje um lugar para mim junto aos bandos.
Posso tentar amanhã encaixar-me nos pequenos grupos e ser parte dele.
Posso escolher regressar só, ou posso sem escolha alguma retornar sozinha, no
entanto poderei nos galhos aproximar-me e deixar-me encostar.