quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Sabonte e Água Quente.

Por Vitalina de Assis.









 A angústia é um ser intrigante! Quando penso que nos despedimos efetivamente, me surpreende em um abraço tão intenso, que chego a pensar ser amor, o que gentilmente me oferece.


Acordei com a ligeira impressão de que este dia, nada poderia oferecer que me entristecesse de alguma forma. Uma destas esplêndidas manhãs em que o nosso primeiro pensamento é de gratidão, e não importa se faz sol ou chuva.  Obrigada! Estou viva! Despertei! Despertamos incrivelmente mais leves, flutuamos como o vapor que nos aquece em um banho que promete lavar o corpo e deixar escorrer pela pele todo vestígio de sonolência, toda preguiça que ainda insiste. Desperta-nos a impressão de que sabonete e água quente, serão capazes de passar a limpo todos os sonhos, desfazendo pesadelos, energizando vontades e desejos. É assim que nos revigora o banho matinal? Possui tais poderes a água que escorre do chuveiro?

Pessoas mais sensatas afirmariam que tal banho,  em dimensões reais, não existe. A água e espuma que limpam o corpo não penetram na epiderme, não viajam até as entranhas do ser lavando alma e sentimentos, não concedem ao interior a essência aromática, não vaporizam deixando úmidas as paredes ressequidas. Sequer possibilitam aos espelhos do sentir uma névoa em que se possa rabiscar, escrever impressões aleatórias, imprimir desejos, forjar uma promessa.

Pessoas mais sensíveis viajam feito bolhas de sabão que se sentem livres para voar. Leves e flutuantes  possuem  o "céu"  como limite, entretanto de repente , pluft, explodem e segundos depois, quem ainda se lembra delas?  Não percebem sua existência efêmera, sua fragilidade pulsante, seu voo sem sentido para um pluft... nada a imprimir em azulejos, espelho, vidros. Sequer tocam o chão. Não nos sentimos da mesma forma, em 'dias especiais'? Leves,  flutuantes, intocáveis em um voo sem limites? Então a  realidade nos toca e compreendemos nossa efemeridade. Somos felizes na nossa  essência? Acreditamos em água morna e sabonete?

Banhada e sem consciência de que tudo isto ocorre em um simples banho, visto roupas previamente escolhidas, embora não tenha escolhido com igual zelo,  os sentimentos a cobrir outros desnudos. Saio semi-vestida sem a percepção  de que, a nudez exposta, compromete a sanidade emocional que requer manhã e dia. Sentimentos descobertos são convites irrecusáveis para que se cubra, a todo custo, tamanha exposição. Então minha leveza bolha de sabão, desnuda e vulnerável, sente achegar-se sorrateiramente, um véu pousando-lhe sobre os ombros como se fosse amigo (entretanto, sem aquela sensação de bem estar, segurança e afeto desconfia de suas intenções) aconchegando-se, sussurrando-lhe pensamentos imprecisos em uma sucessão lógica. "Sente-se tão eufórica e toda esta euforia, roubou-lhe o tempo de vestir-se adequadamente"? "Não se coloca a descoberto  sentimentos infantes". "Podes afirmar que o que sentes é suficientemente seguro de si?"

O tempo frio e úmido, bem  queria tocar-me,  no entanto, minhas vestes só permite-lhe passar ao largo, sem sequer encostar na  minha pele e apesar do desejo de eriçar meus pelos, afasta-se.  Inadequadamente vestida? Não! Mas como explicar a transitoriedade da minha alegria? Esta impressão tátil e o toque de aspereza sobre mim,  fora suficiente para alterar meu estado de espírito. Sinto-me escorregar pelo véu que dos meus ombros salta, estendendo-se sob meus pés. Escorrego por uma tristeza líquida, aquecida, um "me tens em seus braços" e apesar do desconforto, não ouso erguer-me.

À minha volta,  percebo um esforço redobrado do cotidianamente diferenciado chamando-me para observar o inusitado. Dezenas de garças graciosas, enfileiradas, altivas, imóveis mirando o céu  viravam-se lentamente em minha direção, algumas retornavam de um voo calmo e outras abriam as asas para voar. Ao lado, um bando de biguás mergulhavam cronometradamente em busca de alimento e seguiam mergulhando, alimentando-se. Busquei em vão  na minha memória, manhã semelhante, pareceu-me um espetáculo inédito e verdadeiramente o era. 

A vida pulsante, em uma ordem tão precisa, encantava meus olhos e sentimentos, lentamente senti-me erguer. Se o que está a seu redor se esforça sobrenaturalmente para chamar sua atenção, atente! Sustentável é permitir que seus olhos se  fartem da beleza, ao invés de  ficar  despertando dores que repousam. Tudo a seu tempo se acomoda, tranquiliza. Parecia-me  tolice imaginar que tamanho espetáculo, estivesse sendo orquestrado com o único propósito de fazer-me emergir da líquida tristeza aquecida, afinal, quantas vezes nos sentimos indignos de um olhar amigo, de um amor sincero, de um mover divino? Sem que me desse conta, meu estado de espírito agora diferente de minutos atrás, tornara-se alvo de uma ministração de doses de otimismo e inexplicavelmente, fazia-se nítida a impressão do banho - desliza sobre a pele sabonete e água quente, um sob a regência do ir e vir,  o outro, enquanto permite a torneira aberta, enquanto a mão não solta o sabonete e interrompe o prazer do banho.  Sentimentos descobertos, cubro. 


A angústia, como tudo mais, possui seus segredos, seus sabores, suas faces, seu jeito próprio, por vezes, torto, acertivo, insistente! A pitada, a gosto.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Ainda e "sempre" 1

Por Vitalina de Assis.








Quero a adição, somar o amor.
1+ 1 = 2 "juntamente" separados.
1+1 = 1 = alienação no "romanticamente" amar:

eu somo,
ele soma,
nos sumimos!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Assim Seja!

Por Vitalina de Assis.


 
Quisera um guardião de alma
que não fosse apenas  anjo
entre sonhos e penumbras
com asas imaginárias
a me transportar para mundos irreais
intocáveis
mundo que não se habita

Que seja um anjo humano
de derme e epiderme
que tenha cheiro e sabores
que toque no corpo 
e encante o medo que circunda
que faça da imensidão
um mundo em rastos floridos

Que seja um anjo humano
a compreender o incompreensível segredo da alma
(medo que vigia e forja armadilhas
para o simples prazer da vulnerabilidade)

Que seja um anjo humano
entre erros e acertos aprendendo o certo
pontuando ao despir a desculpa
do conformismo daquilo que foi
e não pode ser mudado
(medo que vigia e forja armadilhas
para o simples prazer da vulnerabilidade)

Que seja um anjo humano a reinventar caminhos
e entre pedras cultive rosas
lindas!
na haste  espinhos a cuidar das pétalas
o rude e o belo  se harmonizam
encantam olhos que além dos espinhos
provam sabores agridoce
(medo que vigia e forja armadilhas
para o simples prazer da vulnerabilidade)

Que se faça então anjo compreensivo
de falhas composto
reagente e reação
substância a arder
na química da pele
paixão

e entranhados afetos não se estranhem
quando o rastro flores negar
quando os ardores que se exigiam de dia 
não se exijam entre os lençóis da noite
(o medo que vigia e forja armadilhas
para o simples prazer da vulnerabilidade)
envelheceu
como envelhecem todas as coisas.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Devora-me!


Por Vitalina de Assis.




Nada no mundo das minhas fatigadas retinas,  pareceu-me assim tão provocante! Uma costa desnuda, braços nus adornando tão belo corpo e uma insinuante saia a cobrir, generosas ancas. Pensei em fixar meu olhar e ficar ali apenas contemplando, desejando tocar. Imaginar o rosto que possuía tal corpo, poderia ser um exercício formidável para minha imaginação, reinante em campos, agora inférteis. Outrora, tão imaginativa levaria meus desejos e dedos para outra esfera, outro furtado sentir.

Fechei meus olhos, apelei aos céus do meu encantamento para que chovesse e fizesse brotar de vez, todo prazer recolhido em anos já idos. Esperei. Esperei. Nem chuva, nem encantamento, nenhuma semente a germinar. Fiquei estático! Meu sentir congelado enrijecia meus ossos, uma ironia tamanha, já que não eram ossos estalando, que eu desejava enrijecer. Deixei correr livremente o sangue impetuoso a irrigar rugas mortas, revivê-las em força e aquecer meu sofrido e amortecido viver. A idade pesa sobre o coração que um dia amou, extasiou-se e trancou no esquecimento emoções tão vívidas, tão intensas! Ficaria por horas buscando na memória lembranças adormecidas no passado, entretanto, a bengala que escora passos vacilantes, enrijeceu-se, fugiu do meu controle. Desejou tocar, descobrir o oculto, desvendar o rosto, compreender em olhos, boca, seios, a intensidade do prazer que por mim passava como  brisa em sonhos noturnos e com a força de um exército, moveu aquela moldura.

Abri meus olhos, arregalei meus sentidos, contemplei um par de seios jamais vistos. Como setas indicativas apontavam estar ali, a força capaz de erguer-me. Mirei aqueles olhos desafiadores que sussurravam nitidamente: "decifra-me ou devoro-te". Que forças possuía eu para decifrar algo tão surreal? Tive ímpetos de quietude, desejei ser devorado a todo custo, não tinha pretensões de decifrar o indecifrável.

Fechei os olhos enquanto a bengala caia frouxamente de minha mão. Senti um hálito quente em rugas tensionadas e um visível tremor, a percorrer  meu corpo, não deixou-me outra alternativa e sequer buscaria uma. Devorou-me!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Frescor.

Vitalina de Assis.




Meu amor comporta silêncio em sua fala,
seu olhar desassossega silenciosamente minh' alma,
seu calor queima meu prumo e faz gritar meu mundo,
enquanto o seu,
mudo e indiferente,
sempre que deseja
por minha aridez passeia

Poder-se-ia prender-se o sol em mim
árida superfície ?
incidência solar sem trégua,
abrigo raios e calor de forma ímpar,

então...
talvez...

aquele sol,
cansado de incidir aqui e ali,
decida-se por aqui

e aridez - jardim em flores,
silêncio e desassossego - finalmente nos extremos,
no centro da vencida solidão - atroada e sofreguidão
Frescor!