Por Vitalina de Assis.
Há muitos anos atrás minha mente era muito compactada, possuía uma “concepção espiritual” e acreditava que aquela forma de crer e de exercer esta crença, era a correta. Meu mundo se resumia na seguinte frase: eu sou de Deus e os outros, que não estão na minha igreja, são do mundo. Existiam aqueles que estavam na mesma igreja participando do culto, mas eram mundanos, não haviam passado pelo batismo nas águas, ouviam músicas que não eram evangélicas, frequentavam barzinho, fumavam, bebiam, eram do mundo mesmo.
Eu estava feliz nesta redoma, tudo era muito delimitado, sabia-se
exatamente o que fazer ou pensar, “mentezinha” pequena, não? Era jovem demais,
pouco mais que uma adolescente em uma época em que a adolescência era apenas
sinônimo de “aborrecência”, hoje não mais, com certeza.
Muitos anos depois dei um salto para a faculdade, então as coisas
começaram a mudar, comecei a filosofar, menos... questionar seria mais
adequado, dúvidas seriam a nova estrada, ruazinha a trilhar.
Ouvi uma professora de Filosofia insistir na palavra caminho.
Acendeu uma luzinha, estaria ela insinuando “O caminho, a verdade e a vida”?
Estaria falando de Jesus de uma forma que eu desconhecia? Fiquei deveras
incomodada, melhor - mexida. E ela não parou de lançar seus dados sobre
mim e o que guardei no meu âmago foi isto: toda verdade não é única,
toda verdade é contestável e toda verdade pode ser absoluta, a minha pelo menos,
até que..., mas, nenhuma será autêntica, se não for fruto de um empirismo.
Eita!
Empirismo, que belo acréscimo ao meu léxico quase sagrado, senti
que eu estava adentrando solo profano e aquilo me atraía sedutoramente. Na
verdade, toda forma de conhecimento é um ato profanador, pois fere nosso
conforto, confronta nosso conhecimento, abala estruturas nada sólidas e
machucam. Não há de desconstruir-se algo que não venha provocar
dores, todo conhecimento carrega sua parcela de desconforto. Dar à luz é um ato
de dor profunda ao que concebe e ao que recebe.
O empirismo tinha sua própria magia desafiante e “desconstrutora”.
Meus dominós estavam todos enfileirados em uma segura ordem e de repente, senti
uma leve oscilação, help! Como é que eu conseguiria mantê-los de pé? Não
poderia ainda que me esforçasse, meu desejo sincero era vê-los caírem um a um e
o empirismo estava a postos para tudo justificar. Aprendi com o filósofo John Locke que a minha
mente estava mais para “uma folha em branco,
tabula rasa” apta para ser impressa com as experiências que eu teria que
vivenciar, ou colocar em xeque alguns conceitos, nada que pudesse
por em risco minha identidade, mas apenas legitima-la.
Os anos passaram e meu empirismo levou-me à certeza de
que não há como fechar este ciclo, podemos virar uma página e seguir com a
leitura, mas em dado momento, um flash-back se faz necessário e nos vemos
mergulhando em memórias esquecidas. Algumas memórias me parecem “gatilho”,
tamanho o reboliço de emoções evocadas, fico perdida em meio a sensações e sentimentos,
mas são momentos que me forçam a uma nova releitura. Nada é exatamente o que
parece ser e o que está diante dos nossos olhos possuem muitas nuances, vozes,
cheiro, dimensão e merecem respeito. Certo seria ficar contemplativa, quieta,
distante, silenciosa e esperar, esperar. Sei da angústia que a espera carrega
nos ombros e de sua habilidade ninja em lança-la, sobre os nossos, entretanto, uma
medida de paciência e fé há de colocar tudo, no seu devido lugar.