sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Meu tributo a Nilo Parreirinha.


 [ MEU TRIBUTO A NILO PARREIRINHA]
    Por Vitalina de Assis.

    (Nilo Parreirinha é um nome tão comum, e se meu título fosse: Meu tributo a James Taylor. Já teria dado a volta ao mundo. Não duvide disto.)






     

    Nilo Parreirinha,  morador de rua, de algumas ruas e da praça entre a rua Guarapari e Av. Portugal do bairro Santa Amélia, Belo Horizonte.  Um senhor educado, sempre disposto a uma boa conversa, vivia rodeado de cachorros e amigos também moradores de rua. Todas as manhãs eu o via desperto na praça quando caminhava em direção ao meu trabalho e fazia questão de cumprimentá-lo e à tarde, quando voltava, lá estava ele. Não pensem que ele não trabalhava, era catador, devia receber os seus trocados, mas não tinha onde morar, sua casa era a rua, seu teto, o céu. Em uma manhã muito fria, Nilo estava vestido apenas com uma larga bermuda e seu paletó preto, suas pernas finas e pequenas estavam expostas ao frio, ao vento gelado que soprava naquela manhã. Aproximei-me:

    - Que isto Nilo? Perguntei-lhe sorrindo. Tudo isto tudo é calor? Ou desafias o frio?
    Nilo olhou-me ternamente, nunca percebi uma amargura em seu olhar, e respondeu-me
    - Roubaram minhas coisas enquanto eu fui tomar banho, levaram tudo, até um pedaço de salame que comprei para quando me desse vontade de comer.

    Imagina! Ele não disse para "comer" quando eu estivesse com FOME. Moradores de rua não se sentem no direito de sentir fome? Ou acostumados a ela, sequer dão-lhes a devida importância? Tornou-se a fome tão natural quanto o ar que respiramos e que sequer, damos conta de que o mesmo, entra e sai dos pulmões contraindo e relaxando nosso diafragma? Indignou-me o roubo e logo percebi que ninguém é tão pobre, que não possua algo que alguém deseja ou queira roubar. Logo, ninguém é tão desvalido que não possa ajudar. Prometi arrumar-lhe uma muda de roupa, pediria para um amigo do trabalho e no mesmo dia, ao cair da tarde, lá estava eu com parte do prometido. Uma calça jeans cheia de detalhes, maior que seu corpo franzino, mas para isto, foi logo dando solução:

    - Vou amarrar ela com um cinto e vai ficar boa. Seus olhos brilharam.

    - Trarei uma blusa de frio, a única peça masculina que insistiu em ficar na minha casa, esquecida em um canto qualquer, disse eu. No outro dia, muito alinhado com aquela calça grande, me disse:

    - Você acredita que todo mundo tá de olho nessa calça por causa desse tanto de flexequer?

    - Sério? Cuidado dobrado então amigo. Rimos.

    Era assim Nilo Parreirinha. Não me pergunte mais nada sobre ele. Nunca questionei se tinha família, filhos, onde nasceu, porque estava assim, sozinho na rua. Nunca convidei-o para um café ou paguei-lhe um almoço. Quantas vezes meu coração pediu-me que o fizesse, quantas vezes tive que desviar meus pensamentos e afirmar: bobagem, ele não precisa de nada disto.

    Quantas vezes fechamos nossos olhos e coração? Quantas oportunidades temos de fazer o bem, e deixamos que outros, igualmente não o façam, pois como alguns de nós, esperam que este ou aquele faça, que uma Ong se encarregue, que o governo se mobilize. Gostamos de pensar que cabe aos outros, nossa responsabilidade social.

    Estranho! Mas onde foi que o Nilo se meteu? Já a alguns dias não o vejo, até os cachorros se foram. Mudou-se Parreirinha? Moradores de rua se mudam? Nilo Parreirinha mudou-se. Outro morador, amigo de Parreirinha estava sentado na mesma praça, olhando as pessoas, pensando na vida...

    - Oi senhor, tudo bem? Me diga uma coisa por favor, cadê o Nilo? Já faz alguns dias que não o vejo.

    Uma tímida lembrança veio-me a mente. Passara por ele um dia destes, estava imerso em si próprio, andava como se nada e a ninguém enxergasse. Impressionou-me vê-lo assim tão absorto, mas deixei que continuasse seu caminho, tive medo de interromper o que eu não compreendia. Temi pela resposta. Meu espírito segredou-me que naquele dia, Nilo não estava só.

    Que Nilo? O Parreirinha? Ele morreu já faz alguns dias, tava deitado ali, bem cedinho naquele banco e quando os homi da prefeitura que tão plantando a grama foram acordar ele, viram que ele tava morto. Morreu dormindo, o pobre. Coitado! Eu vi o dia que ocê deu aquela calça pra ele, ele ficou muito feliz, contou para todo mundo que tinha ganhado, morreu com ela.

    Perdoe-me Nilo Parreirinha por não conhecer a sua história. Perdoe-me por só saber hoje de sua morte. Perdoe-me por não ter-lhe dado o último adeus. Descanse em paz!

    Nossa vida é um sopro e a qualquer instante, podemos deixar de soprar.