terça-feira, 24 de maio de 2011

Nostal...ía


 


Por Vitalina de  Assis.

Saudades da expectativa do encontro
do vinho e das palavras
"não vamos fazer nada hoje"
embora o corpo recusasse a aceitar
o que discernia a mente

Saudades do inverso do nada fazer
e fazer tudo
com calma
gosto
prazer
ritmo

Saudades da insaciedade
beijos
fala
silêncio
e sons
suspiros
gemidos
insanidade

Silêncio

arfar
gemer
murmurar
balbuciar
sem nexo
com nexo
tanto faz
tanto fez
tanto quis

Saudades do tempo tirano
que veloz escoa
no pulsar das horas
minutos
segundos
undos
tudo
mundo
recluso

Saudades do começar de novo
e no cansaço do corpo
gozar
descansar
ser feliz 

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Espalhar pedras, ajuntar.

Por Vitalina de Assis.

 
 
Somos tão conscientes do tempo e de sua ordem cronológica, que jamais  cogitamos na possibilidade de invertermos os ponteiros do relógio e contarmos o tempo  de trás para frente. Até que não seria uma má ideia. Imagine você: Quando crianças sonhamos em ser adolescentes. Na adolescência, no auge dos hormônios sonhamos com o fim das espinhas. Com a chegada da tão desejada maioridade, a transição para o poder de assumir-se (ainda que em tese) como um ser autônomo e responsável, tomamos posse do faço o que quero, ninguém mais manda em mim. Então percebemos que nem tudo é o parece ser, e da maioridade algumas vezes decepcionante,  visualizamos a maturidade, o suposto fim dos problemas... agora uma mente mais sábia e capaz de compreender quase tudo. Uma situação financeira e profissional definida,   um tempo de paz para gozar  de anos de trabalho,  netos , bisnetos e um merecido descanso em um céu quem sabe azul, ou em um nada absoluto, ou ainda um novo recomeçar, aqui, ali, e acolá.
A frase em destaque encontra-se  no livro de Eclesiastes 3:5 e é parte de uma reflexão sobre o tempo determinado para todas as coisas, é certo que existe um tempo para tudo debaixo do sol e muitas vezes não nos damos conta do momento exato para ir ou vir, fazer ou não fazer e ficamos à mercê do acaso. Estar à mercê do acaso é quase como não ser responsável, é outorgar a outros o direito que compete a mim sobre o gerenciamento da minha vida. Feito isto,  nos assentamos sobre nossas angústias, problemas e lançamos sobre o primeiro que nos mira com um olhar despreocupado, a culpa pelo desencanto que desaba sobre o nosso pequeno universo. Fácil agir desta forma, cômodo não assumir a consequência dos nossos atos ou omissões.
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras”... não parece haver aqui uma inversão da ordem? Já se viu espalhando pedras simplesmente pelo prazer de ajuntá-las depois? Não parece isto insano? Um despropósito? Um não ter nada mais sensato a fazer? Penso que a sabedoria de Salomão nos convida a reflexionar, olhar com outros olhos e quem sabe assumir novas posturas. Quantas construções precisam vir abaixo por que houve um erro qualquer e, derrubar, espalhar pedras é o caminho mais acertado? Vamos para o terreno das relações. Construímos relacionamentos, vamos juntando as pedras, colocando cimento, argamassa, dando um acabamento de luxo e de repente aquilo que construímos não oferece segurança, não nos proporciona abrigo e nem de longe se parece com o que havíamos projetado inicialmente. O que fazer então com aquele “elefante branco”?
Podemos estar cheio de apego por este “animal” tão diferenciado, mas acredite, ele não é dócil e cedo ou tarde, vai agitar a sua trompa e derrubar tudo sobre você. O que fazer? Esperar o circo pegar fogo? Esperar ser soterrado? Salomão nos dá a dica acertada. “Tempo de espalhar pedras”. Aqui começa o trabalho mais árduo, espalhar, antes porém, soltar. Como é difícil soltar as coisas, abrir mão da aparente zona de conforto. É como aquele chimpanzé que agarrou uma banana dentro de um vidro e ficou preso por não saber escolher entre largar a banana ou continuar agarrado a algo que não poderia alimentá-lo.
Não vi a cena, mas acredito que muitos morrem apenas imaginando a possibilidade de alimentar-se. Definham no sonho, no imaginário e,  quando se dão conta, se é que isto ocorre, o tempo se foi, não há mais nada a ser feito. Tempo de espalhar para ajuntar de novo. Espalhar, (separar a palha de; (os cereais) dispersar, mandar ao vento “pedras” que não são os cereais que alimentam, são palhas. Construímos com palhas disfarçadas em pedras uma bela construção, “eu sopro e vai tudo voar”, grita o lobo mau todas as manhãs e noites de nossas vidas, uma ameaça constante.
Até quando é possível suportar e viver sob ameaças? O tempo nos dita as regras, a sabedoria nos faz perceptíveis: espalhar, ajuntar novamente. Ajuntar de forma mais coerente com que acreditamos,  e com o que nos ensinou a maturidade, nosso empirismo vivenciado. Abrir mão da banana que nos mantém presos à ilusão de que o gargalo do vidro irá se ampliar a qualquer momento, ou quem sabe diminua nossa mão, e a banana também. Nem uma coisa, nem outra, não espere definhar afinal. Espalhe quantas vezes forem necessárias, ajunte, faça de novo, refaça de uma maneira diferente, mais saudável, mais flexível a ajustes.
E por fim: tempo de abraçar , e tempo de afastar-se de abraçar”.
Abrace você mesmo, sua vida, seus sonhos perdidos na falsa “arquitetura” desta obra de “palha feito pedras”. Deixe soprar o vento da oportunidade,  e reconstrua com sabedoria e quando tiver feito isto, abra seus braços, se solte, olhe ao seu redor, viva feliz afinal.
E para aqueles que,  ao invés da mão presa no gargalo estão presos em um abraço sem sentido, (pode ser este o "tempo de afastar-se do abraçar")   por que não tentar outros abraços?

terça-feira, 3 de maio de 2011

Mãos à obra e boas falas.

Por Vitalina de Assis.


“A Palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração”.


Nossa vida é uma sequência de momentos, alguns são repletos de felicidade, outros cheios de angústias e alguns cobertos de estranha calmaria. Todos eles acobertados por palavras que, se bem os descrevem, podem também conferir-lhes um peso excedente e transformá-los em uma âncora que poderá enterrar-nos parcialmente na “areia”  imobilizando nosso mover, ou ainda retardá-lo.

Não é segredo e nem seria ousadia de minha parte, afirmar que temos por hábito lançar sobre os outros, a responsabilidade de “emes” atropelos. Quando não, ao verbalizarmos o que percebemos quase sempre de maneira distorcida em virtude das emoções afloradas, esquecemo-nos de que o nosso “falar”, é determinante. Já colhestes a contragosto o que livremente semeou seus lábios em minutos, horas e dias de ira, desânimo e completa descrença? Ou tens sido feliz ao fazer uso desta ferramenta em seu próprio benefício, usando-a com moderação, zelo e sobretudo acreditando em seu poder criador? Palavras não devem ser vistas apenas como um meio de comunicação com os outros, ou usada como uma ferramenta para ferir ou denegrir. Deveria ser compreendida como uma aliada, uma facilitadora e porque não, a mentora capaz de guiar-nos a um nível mais criativo, ou invariavelmente, a escolta armada a conduzir-nos a níveis improdutivos e confinadores.

Quando digo nível mais criativo, confiro às palavras,  o que elas possuem de mais extraordinário em sua essência, são criadoras! Entretanto, não se deixe enganar, são criadoras para o bem ou para o mal, decida você. E quanto a ser uma escolta armada a conduzir-nos a níveis improdutivos e confinadores, fica aqui um sinal de alerta: Que palavras tenho liberado? Com que frequência e com que estado de espírito as tenho proferido? Certamente não ficarão ao vento sem cumprir o seu desígnio.

Há dias tenho dialogado com a epígrafe acima e após reflexões, percebi que aquilo que verbalizamos não é algo estritamente gerado no nosso interior, mas repetimos o que perto está, aquilo que ouvimos, ou vivenciamos. A partir daí, da pronúncia e da importância que damos a esta fala, ela se incorpora em nosso ser, no nosso “coração” fonte das nossas emoções e criatividade. Posso dizer que a “palavra” é um poder criador e reproduzirá o que for liberado através dela, (não estou aqui reinventando a roda) sem que possua contudo, um filtro a nosso favor. Filtrar compete a cada um de nós. Temos em nossas mãos o poder de escolha: posso repetir como um papagaio sem compreender as reais consequências, ou deliberadamente escolher o que dizer e quando dizer.

Fica aqui uma dica. Como não podemos fechar nossos ouvidos como fechamos nossa boca, melhor escolhermos bem as palavras as quais daremos abrigo. E, se ao contrário, por um triste capricho dos deuses, já estiverem as “más” repousando em nossa língua, coloquemos então guardas à portas de nossos lábios e nem sobre tortura as lancemos ao vento. Com o tempo elas se calam. Nada de deixarmos que se apropriem do coração, envenenando-o como se ele não possuísse dono. Tampouco que lancem âncoras em nosso mar de possiblidades. Difícil? Impossível? Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, e creia, não há nada que não seja alcançado com disciplina e boa vontade. Então, mãos à obra e boas falas.